Nonato Guedes
A Rede Globo anunciou, ontem, a suspensão de debates eleitorais no primeiro turno entre candidatos a prefeito em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife. As causas alegadas foram a inviabilidade de um acordo com os postulantes e partidos, o elevado número de candidatos e a exigência da adoção de rigorosas medidas sanitárias para prevenir a disseminação da epidemia de coronavírus no país. Não foi, diga-se de passagem, uma atitude isolada da Globo. As TVs Record, CNN Brasil, SBT e Rede TV! também suspenderam confrontos invocando como pretexto a dificuldade de adequação à situação excepcional causada pela doença. Sem dúvida, perde a democracia – não de todo, já que ontem mesmo entrou no ar o Guia Eleitoral que possibilita, pelo menos, a exposição de rostos de concorrentes ao pleito majoritário e a apresentação de propostas. A discussão, em si, fica prejudicada.
Em matéria sobre o assunto, assinada por Luísa Fragão, o site “Revista Fórum” informa que a suspensão dos debates eleitorais nesta primeira rodada contribui com o sentimento saudosista em relação aos grandes debates eleitorais que já ocorreram no país desde a redemocratização. Com a proposta inicial de fornecerem aos eleitores detalhes sobre as propostas dos candidatos, muitos dos debates entraram para a história por virarem palco de bate boca, acusações e ironias entre seus participantes. Também se prestaram ao cometimento de gafes quanto à exatidão de informações e alguns acabaram queimando a imagem de candidatos ao invés de favorecê-los. Ressalte-se, em paralelo, a performance de mediadores de debates que se notabilizaram na televisão, como Marília Gabriela, Bóris Casoy e estrelas globais, entre elas Francisco José na Rede Globo Nordeste, no Recife.
“Fórum” elaborou uma lista com cinco debates antológicos na história da televisão brasileira. O primeiro foi o que envolveu Leonel Brizola e Paulo Maluf na eleição presidencial de 1989. Além do histórico político problemático, Maluf protagonizou momentos marcantes em debates presidenciais, estaduais e municipais. Um dos mais memoráveis ocorreu com Brizola, quando Maluf o acusou de não ter “equilíbrio emocional”. Provocando risos no público, Maluf disse textualmente: “Desequilibrado! Passou 15 anos no estrangeiro e não aprendeu nada. E, o pior, não esqueceu nada”. Brizola, então, o acusou de ser um “filhote da ditadura” e chamou a plateia de “malufistas”, o que fez a mediadora Marília Gabriela pedir por intervalo.
Um outro debate digno de nota se deu entre Mário Covas e Paulo Maluf, em 1998. A disputa era pelo governo de São Paulo e Covas (PSDB) estava em segundo lugar no pleito, atrás de Maluf. Com isso, o debate foi pautado por diversas acusações e troca de farpas. Covas, por exemplo, iniciou o debate comentando sobre a relação de Maluf com a ditadura militar e o provocando sobre a sua ausência na campanha das “Diretas Já”, que ganhou repercussão em 1984 com a votação da emenda Dante de Oliveira, derrotada pelo Congresso. No confronto, Covas também acusou Maluf de corrupto, citando ACM Neto e declarou que o candidato “lava dinheiro” e que tem “12 quilos de prova” contra o processo de Maluf e ACM. Por fim, o tucano conseguiu ultrapassar Maluf e foi reeleito com quase 10 milhões de votos. Em 89, Covas fora candidato ao Planalto, mas não logrou ir para o segundo turno.
Em 2000, como candidatos à prefeitura de São Paulo, Paulo Maluf e Marta Suplicy bateram boca no debate eleitoral após o ex-prefeito partir para cima da petista, referindo-se a ela como “desqualificada”. Marta, então, respondeu com uma frase que marcou a época: “Cala a boca, Maluf!”. Ainda no debate municipal de São Paulo, em 2000, chamou a atenção a cena em que Fernando Collor (PRDB), durante seu direito de pergunta a Eneias Carneiro, do Prona, apenas diz a ele, em tom irônico: “fale qualquer coisa aí”. Em resposta, Eneias fez duras críticas ao adversário. “Ótimo. Já que vossa excelência ex-presidente da República nada tem a dizer, eu tenho muito”, respondeu o candidato. “Eu tenho a tristeza de perceber que o senhor presidiu esse país”, continuou. Quando Collor pôde responder, disse somente: “pode continuar, abro mão do comentário”.
Por último, “Fórum” menciona confronto entre Luciana Genro e Aécio Neves, no debate presidencial de 2014. Luciana, que concorria pelo PSOL, provocou Aécio Neves (PSDB), relembrando diversos casos de corrupção de governos do seu partido. “O senhor falando do PT é a mesma coisa do sujo falando do mal lavado”, atacou Luciana Genro. Com tom irônico, Aécio Neves fala que “relembra as origens” de Luciana, que estaria “agindo como linha auxiliar do PT”. Luciana, então, responde: “Com todo respeito, mas linha auxiliar do PT uma ova, candidato Aécio, porque o PT aprendeu com o senhor, aprendeu com o seu partido”. Em outro momento, após ser chamada de leviana, a candidata sobe o tom com o tucano: “Aécio, não levante o dedo para mim. Quem não tem conexão com a realidade é você. Você que anda de jatinho, que ganha um alto salário e não conhece a realidade do povo”, devolveu Luciana Genro.
Ah, os debates eleitorais e suas pérolas que enriqueceram o folclore político no Brasil. Saudades desses tempos, claro!