Nonato Guedes
Soube, através da minha mulher, Bernadeth, e do amigo Manoel Raposo, editor-executivo da revista “Tribuna”, a notícia da morte do jornalista e escritor Sebastião Barbosa, no Chile, para onde tinha migrado em companhia da mulher, Luana. Barbosa foi meu companheiro de trabalho na imprensa escrita da Paraíba, em cargos-chaves e em projetos relevantes – como Chefe de Reportagem do jornal “A União”, quando assumi a editoria no governo Wilson Braga, na década de 80, e meu Chefe de Gabinete quando assumi a superintendência de “A União” na década de 90, no governo Ronaldo Cunha Lima-Cícero Lucena. Barbosa revelou-se operoso e inexcedível nas duas funções – devo-lhe colaborações inestimáveis que me possibilitaram errar menos. Ele era uma espécie de consciência crítica minha e causava ciúmes junto a outros companheiros pelo prestígio de que desfrutava.
Encontrava-me hospitalizado no Memorial São Francisco, com passagem por UTI, em janeiro recém-findo, quando foi confirmada a notícia da morte de Barbosa. Houve toda uma operação cautelosa, por parte de Bernadeth, Raposo e do mano querido Lenilson Guedes para evitar que eu me fragilizasse ainda mais ao ser avisado do infausto acontecimento. Raposo escolhia palavras para dar a notícia até que o interrompi lembrando que, via Facebook, Luana já vinha me transmitindo, do Chile, versões sobre complicações no estado de saúde do velho companheiro. Evidente que a confirmação me chocou mas procurei atenuar emoções e lágrimas com orações e belas lembranças de histórias que vivemos, incluindo “perrengues” que enfrentamos na labuta jornalística.
Apesar das suas origens humildes, Sebastião Barbosa ganhou repercussão como um repórter infatigável, protagonista de “furos” antológicos na época de ouro do jornalismo. Circulava da política ao noticiário policial com uma desenvoltura impressionante facilitada pelo “feeling” inato para a reportagem. Tinha um ritmo acelerado, tanto na conversação pessoal como na produção das notícias, o que o tornava um cardíaco em potencial, paciente assíduo do doutor Ítalo Kumamoto e de outros cardiologistas renomados, daqui e de fora. Nem por isso fazia corpo mole; pelo contrário, era assíduo na redação. Legou à posteridade dois livros de envergadura sobre temas polêmicos que ganharam espaço na mídia nacional – “A Mão Armada do Latifúndio – Margarida: quantos ainda morrerão” e “Brasil, o País da Impunidade”, este editado pela Siciliano, com a mediação do jornalista paraibano José Nêumanne Pinto junto a Pedro Paulo de Sena Madureira, figura carimbada do mercado editorial.
“A Mão Armada do Latifúndio” é um livro-reportagem sobre a saga da líder sindical Margarida Maria Alves, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, assassinada barbaramente em sua residência no dia 12 de agosto de 1983 por pistoleiros a serviço de proprietários rurais da região da Várzea, incomodados com a atuação dela no processo de conscientização sobre os direitos elementares dos camponeses. Ela movera na Justiça Trabalhista questões destinadas a obrigar os latifundiários a cumprirem dispositivos legais favorecendo os seus empregados, cruzada que naturalmente contrariou interesses e despertou o ódio dos usineiros reacionários. O brutal episódio inspirou movimentos como “A Marcha das Margaridas”, constante do calendário de mobilização anual das classes trabalhadoras no país. Foi noticiado pela BBC de Londres e por agências internacionais.
Já o livro “Brasil – País da Impunidade” teve prefácio do jurista Dalmo de Abreu Dallari, uma das mais conceituadas expressões humanistas do Brasil com projeção a partir de São Paulo. Ele disse que a obra chamava a atenção para a necessidade de não acomodação por parte das pessoas diante da corrupção e dos diferentes tipos de violência. “O livro provoca a discussão clara sobre a impunidade”, pontuou Dallari. Os capítulos envolvem omissões e falta de justiça nas mortes de Margarida e do seringueiro Chico Mendes, trata da criminosa explosão de bombas no Rio centro na ditadura militar, do narcotráfico e dos assassinatos de líderes camponeses e de jornalistas como Paulo Brandão, do “Correio da Paraíba”. José Neumanne arrematou no seu comentário: “O Brasil precisa, cada vez mais e desesperadamente, da capacidade de indignação dos seus filhos, até para sobreviver como país. O trabalho de Sebastião Barbosa está cheio dessa ira sagrada. Barbosa, ao contrário da grande maioria, não põe as barbas de molho, mas as deixa ao sol. Não se trata de imprudência, mas de obrigação”.
Este artigo é, todo ele, um preito de saudade pelo velho companheiro Sebastião Barbosa!