A recente decisão do ministro Gilmar Mendes sobre pedidos de impeachment contra integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) chega em um momento decisivo para a estabilidade institucional do país. Ao estabelecer que “somente o Procurador-Geral da República pode formular denúncia em face de membros do Poder Judiciário pela prática de crimes de responsabilidade”, o ministro não apenas interpreta a Constituição, mas envia um recado contundente sobre o uso político desse instrumento.
A determinação afasta tentativas de setores bolsonaristas de pressionar o Senado a instaurar processos de cassação contra ministros, especialmente Alexandre de Moraes, que se tornou alvo de ataques desde decisões que desagradaram aquele grupo, incluindo a prisão de Jair Bolsonaro. O teor da decisão de Gilmar Mendes, aliás, vale ser lido na íntegra: nela, o ministro explicita que o impeachment não pode, sob qualquer hipótese, ser utilizado como ferramenta de retaliação política.
A lógica é simples, mas precisa ser reafirmada: o impeachment é um mecanismo excepcional, voltado para responsabilizar condutas gravíssimas — não para acomodar insatisfações ideológicas ou punir magistrados por cumprirem seu papel constitucional. “A intimidação do Poder Judiciário por meio do impeachment abusivo cria um ambiente de insegurança jurídica, buscando o enfraquecimento desse poder, o que, ao final, pode abalar a sua capacidade de atuação irme e independente. Isso porque, os juízes, temendo represálias, podem se ver pressionados a adotar posturas mais alinhadas aos interesses políticos momentâneos, em vez de garantirem a interpretação imparcial da Constituição e a preservação dos direitos fundamentais”, registra o ministro na decisão.
Ao reforçar que o afastamento de ministros do STF não pode se basear em motivações políticas, a decisão busca preservar a independência judicial, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Uma Suprema Corte vulnerável a pressões de ocasião não seria capaz de atuar como guardiã da Constituição. Pior: abriria brecha para que cada mudança de clima político resultasse em tentativas de depuração ideológica do Tribunal, um cenário incompatível com a democracia.
É essencial lembrar que a prática abusiva do impeachment de ministros — ou mesmo a sua mera instrumentalização retórica — não atinge apenas os indivíduos diretamente envolvidos. Trata-se de um ataque frontal às instituições e à própria arquitetura do Estado de Direito. Quando membros da Suprema Corte são removidos, intimidados ou chantageados com base em motivações partidárias, a mensagem que se envia é corrosiva: a de que o Judiciário deve temer o exercício de suas funções, especialmente quando estas envolvem o controle de constitucionalidade, a aplicação da lei penal ou a responsabilização de agentes públicos que atentam contra o regime democrático.
A blindagem contra esse tipo de ataque não é um privilégio dos ministros do STF — é uma necessidade democrática. Um Judiciário acossado por pressões políticas perde sua capacidade de agir com autonomia, e sem autonomia judicial não há segurança jurídica, previsibilidade institucional ou proteção efetiva de direitos.
Por isso, a decisão de Gilmar Mendes não é apenas jurídica: é um gesto de reafirmação institucional. Ao delimitar com precisão quem pode — e quem não pode — acionar o Senado para processar ministros da Suprema Corte, a decisão combate o uso distorcido de um instrumento constitucional e reforça o compromisso com a separação dos Poderes.
