Nonato Guedes
O Tribunal de Contas da Paraíba está completando 50 anos de existência e funcionamento -e a melhor homenagem que recebe é a constatação, pela sociedade, de que tem sido um “freio” importante à corrupção por parte de gestores públicos num país onde a cultura da roubalheira continua enraizada. Nas últimas décadas a sociedade brasileira, através de órgãos de representação, tem infligido duros golpes a agentes públicos pilhados em atos de malversação do erário, através, inclusive, de medidas judiciais que possibilitam devolução de recursos malbaratados, ou sequestro de bens acumulados na construção de patrimônios incompatíveis com o “status” financeiro amealhado por marginais de colarinho branco.
Claro que o Tribunal de Contas não tem o poder de polícia – e, nesse sentido, ganhou instrumentos de reforço à sua atividade de fiscalização graças à atuação paralela do Ministério Público, da Polícia Federal, da Controladoria Geral da União e de outras instâncias de monitoramento espalhadas na estrutura institucional do país. Mas é de ressaltar que o trabalho primário, de apontamento ou verificação de desvios contábeis, coube a auditores das Cortes de Contas, originalmente concebidas como órgãos auxiliares do Poder Legislativo no controle dos recursos alocados para obras ou investimentos. A impressão que fica para segmentos da população é que os tribunais, sem dúvida, têm contribuído para estancar a sangria do dinheiro público no ralo das propinas, do enriquecimento ilícito, da corrupção desenfreada.
Presidente duas vezes do Tribunal de Contas da Paraíba, secretário de Economia do Ministério da Fazenda e secretário das Finanças da Paraíba e do Rio Grande do Norte, o professor Otacílio Silveira, numa entrevista a Severino Ramos publicada no extinto jornal “O Norte”, destacou o papel relevante desempenhado por João Agripino Filho, em cujo final do governo, no começo da década de 70, o TC foi implementado. Lembrou que a Paraíba foi um dos últimos Estados a criar seu Tribunal de Contas e a filosofia que norteou João Agripino foi justamente a de fiscalizar a correta aplicação do dinheiro público, que, para ele, era sagrado. Agripino, como se sabe, conduziu uma administração pautada pela austeridade, que contrariou interesses de grupos econômicos acostumados a usufruir privilégios do poder público. Fez mudanças no próprio Banco do Estado da Paraíba, quando descobriu que grupos políticos que apoiavam seu governo estavam se locupletando de benesses.
Até então, como deixou claro Otacílio no depoimento a Severino Ramos, não havia nenhum órgão de fiscalização. Ele próprio, mesmo enaltecendo o papel dos tribunais, considerava muito difícil encontrar um mecanismo eficaz de combate à corrupção e defendia o argumento de que talvez fosse necessária uma campanha educativa, “partindo de casa, da escola primária, difundindo nos jovens uma mentalidade diferente de comportamento contrário à corrupção”. “Porque o problema é mais de caráter, de formação das pessoas. Ser honesto é um dever e não uma virtude”, teorizou Silveira, observando que não era o poder público ou o juiz que iria corrigir anomalias inerentes ao comportamento humano. João Agripino pensava da mesma forma – ele conhecia, como poucos, certa categoria de homens públicos, tanto na Paraíba como nos centros maiores de decisão do país. Mas buscava fazer sua parte, não dando espaço para que a prática da corrupção fosse disseminada.
Outro ex-presidente do TCE, Juarez Farias, também em entrevista a Severino Ramos, definiu a Corte como uma estrutura técnica, administrativamente autônoma, para dar apoio ao Poder Legislativo nas suas funções constitucionais de fiscalizar a execução orçamentária e a operação das entidades públicas das administrações direta e indireta. “No desempenho de suas tarefas, inscritas expressamente na Constituição, o Tribunal não sofre nem poderia sofrer limitações na sua autonomia”, comentou, mencionando que, não obstante, um governador do Estado tentou limitar as atribuições do Tribunal e teve rechaçada a sua pretensão pelo Poder Judiciário e pelo próprio Legislativo. Na verdade, não foi apenas um – outros governadores de plantão insurgiram-se contra pareceres prévios de contas emitidos pelo Tribunal, cujo julgamento, no final das contas, compete mesmo à Assembleia Legislativa.
Em segmentos da sociedade, ainda se questiona o critério de indicação de nomes para conselheiros do Tribunal de Contas, geralmente associado à influência política, o que estaria na contramão das exigências por concurso público e por maior transparência na relação ou interlocução com a opinião pública. As falhas existem, carecem de corretivos – mas alguns destes corretivos têm sido aplicados contra membros do próprio Tribunal de Contas, o que significa que eles não estão acima de qualquer suspeita ou de qualquer punição. Isto tem coincidido, também, com a generalização do conceito de que a Lei vale para todos, não apenas para alguns. Abstraindo esses poréns, o Tribunal tem sido profilático para fazer valer o uso de dinheiro público, recorrendo até à medida antipática de indicação de intervenção em municípios cujos prefeitos são pilhados em flagrantes delitos.
Na conjuntura atual, o Tribunal de Contas do Estado tem tido como grande parceiro na sua atividade de fiscalização a tecnologia. E o próprio papel da Corte passou a ser centrado mais diretamente na prevenção ao cometimento de ilícitos, mediante compartilhamento atualizado de informações sobre operações e demandas de responsabilidade do Executivo, quer no Estado, quer em prefeituras municipais ou outros órgãos públicos vinculados. João Agripino, que foi figura notável na vida pública paraibana e até nacional, tinha obsessão pela moralização dos costumes políticos e, por via de consequência, intolerância a atos de corrupção. Voltou à política perto de morrer, mas na própria Câmara Federal desiludiu-se com a “castração” do mandato parlamentar. Isto não o impediu de deixar legado indiscutível, traduzido em iniciativas como a criação do cinquentenário Tribunal de Contas da Paraíba. Aliás, ele próprio foi ministro – do Tribunal de Contas da União.