Em 1967, a Assembleia Legislativa do Estado aprovou a concessão do título de cidadão paraibano ao então arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires. A homenagem, entretanto, jamais foi entregue. O motivo: Dom José se recusou a aceitar a exigência de apresentar previamente o discurso que faria durante a solenidade, imposta por deputados estaduais que, sob o argumento de que o país vivia um regime de exceção, queriam ter conhecimento antecipado de suas palavras.
O gesto do arcebispo — negar-se a ser censurado e, por consequência, não receber a homenagem — transformou-se em símbolo de resistência à repressão política e à perda de direitos civis que marcavam o período da ditadura militar. Dom José não cedeu: não mostrou o discurso, não aceitou a imposição e tampouco compareceu à Assembleia. O título ficou suspenso no tempo, sem nunca ser formalmente entregue.
Décadas depois, já próximo de concluir seu longo episcopado de 30 anos à frente da Arquidiocese da Paraíba, Dom José retomou publicamente o episódio em sua última carta pastoral, escrita em 26 de novembro de 1995. Nele, revelou que, mesmo após o fim do regime militar, foi novamente homenageado pela Assembleia. Ainda assim, recusou a honraria, desta vez por um motivo mais profundo e social: sua fidelidade aos pobres.
“Minha paraibanidade está cada vez mais comprometida com os pobres. Tenho que ser fiel a eles para ser fiel a ela”, afirmou, justificando que não poderia celebrar sua cidadania enquanto a maior parte da população paraibana seguia privada de condições básicas de vida. Para ele, a cidadania não se resume a um diploma ou solenidade, mas se concretiza na garantia de direitos como moradia, alimentação, trabalho, educação e saúde.
Na carta, Dom José ainda lançou um desafio: “Voltarei um dia à Paraíba para receber esse título dignificante quando o nosso Estado não tiver mais esmoleres nas calçadas, famintos mendigando comida de porta em porta, quando cada família estiver segura de que vai poder ter casa própria e decente, trabalho garantido, quando a saúde pública for eficiente e a educação estiver ao alcance de todos”.
O episódio, marcado por uma recusa consciente e carregada de significado, ganha nova dimensão neste momento em que outro arcebispo da Paraíba, Dom Manoel Delson, foi à Assembleia Legislativa para receber a mesma honraria, décadas após Dom José ter se negado a fazê-lo.
Dom José Maria Pires, que tomou posse como quarto arcebispo da Paraíba em 27 de março de 1966, ficou conhecido pela sua postura firme e pelo compromisso com os direitos humanos e a justiça social.