Nonato Guedes
As eleições, ontem, no Senado Federal, com vitória de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e na Câmara dos Deputados, com a consagração de Arthur Lira (PP), deram ao presidente Jair Bolsonaro o fôlego que ele buscava para impor sua pauta de governo, que está mais para temas de costumes como armar o cidadão comum para sua defesa pessoal do que para grandes reformas que estão encalhadas na pachorra vivida pelo Parlamento e agravada pela pandemia do coronavírus. O resultado também deu fôlego extra ao “Centrão”, agrupamento fisiológico e conservador que já virou lenda no Congresso e que invariavelmente vota na base do “toma lá, dá cá”. Arthur Lira, que obteve folgados 302 votos contra 145 de Baleia Rossi (MDB) é o líder do “Centrão” e teve sua candidatura anabolizada por um pacote de bilhões em verbas do governo para obras em redutos dos parlamentares.
Para influentes segmentos da sociedade, representados, inclusive, por artistas como Caetano Veloso, o teatro político montado ontem em Brasília foi puro retrocesso. A primeira consequência é que um virtual processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro ficou para as “Calendas Gregas”. Não teve seguimento no colo de Rodrigo Maia, que encarnou o figurino anti-bolsonarismo mas se acovardou e até o último minuto na presidência da Casa ficou blefando sobre abrir pelo menos um dos 60 processos engavetados na Casa. Maia concluiu sua passagem pelo comando da Câmara chorando e lambendo as feridas de uma derrota acachapante em meio à teimosia de medir forças com o Palácio do Planalto. Desta feita, o capitão e seus seguidores amestrados aplicaram-se com esmero para devassar a suposta redoma do Parlamento. Rodrigo Maia ficou desmoralizado dentro do próprio partido, o Democratas, e saiu xingado nas redes sociais. Um papel melancólico na sua biografia e na galeria dos presidentes da Câmara.
No Senado, o tempo esquentou, pelo menos nos discursos de pré-candidatos a presidente como Lasier Martins e Jorge Kajuru, que bateram forte na desastrada atuação do ex-presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) e no rolo compressor montado pelo governo Bolsonaro para decidir a parada a seu favor. “Lamentavelmente o Brasil é um país corrupto e o Senado Federal tem sido omisso ou cúmplice com essa realidade”, verberou Lasier Martins, do Podemos do Rio Grande do Sul, que falou claramente em “compra de votos” no processo sucessório para as Mesas Diretoras das duas Casas Legislativas. Davi Alcolumbre foi qualificado como “engavetador” de matérias polêmicas, a exemplo de propostas de Comissões Parlamentares de Inquérito que poderiam desgastar o governo de Jair Bolsonaro. E na última sessão como dirigente do Senado atrapalhou-se na condução do regimento interno, dando seguidas provas de despreparo para conduzir à altura a instituição.
Mesmo assim, Alcolumbre se disse “de consciência tranquila”, jactando-se por ter devolvido ao Orçamento do Governo Federal recursos volumosos para serem investidos no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Na prestação de contas que fez antes de declarar aberto o processo de votação para a escolha do seu sucessor, Alcolumbre não teve grandes feitos a enumerar em homenagem ao seu próprio currículo. Tentou escafeder-se com o argumento de que à testa do Senado lutou para preservar a democracia e a harmonia entre Poderes, com o respeito devido à autonomia de cada um, incluindo-se o Judiciário. O pleito em si, apesar da tensão e da expectativa, não registrou tumultos, o que foi facilitado pelas desistências de algumas Excelências que anunciaram candidaturas mas as retiraram na hora H, no Dia D. A senadora Simone Tebet, do MDB-MS, demonstrou exemplo de resiliência ao manter candidatura mesmo desautorizada pelo seu partido. Ganhou elogios de colegas de outros partidos.
Em relação às perspectivas que cercam as gestões de Arthur Lira na presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco na presidência do Senado, não são auspiciosas, na largada. O novo presidente do Senado anunciou que vai dar atenção à agenda das reformas “com urgência, mas sem atropelos”. Disse tudo o que o Palácio do Planalto queria ouvir. Na Câmara, o tom adotado por Arthur Lira soou como música para os ouvidos do presidente Jair Bolsonaro e sua trupe. O parlamentar alagoano, aliás, tão logo investiu-se no comando da Casa, ensaiou retaliação a Rodrigo Maia, desautorizando medidas que este havia tomado no apagar das luzes de uma polêmica gestão de quatro anos. É fora de dúvidas que Rodrigo Maia aparece na fotografia como o grande derrotado, porque viu esgotado seu tempo como “Imperador”, nas palavras de adversários políticos, não teve cacife para decidir o páreo na Câmara nem influir no resultado no Senado, para onde tentou estender tentáculos, e ainda foi bombardeado nas redes sociais.
Faltou a Rodrigo Maia, a figura mais controversa desse processo, juntamente com o presidente Bolsonaro, uma certa grandeza de estadista em face da gravidade da conjuntura nacional, mas talvez fosse exigir demais da sua estatura e da posição que ocupou como segundo na linha hierárquica da Presidência da República. Quanto ao alegado processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, seu futuro depende, agora, exclusivamente, da sociedade, que encontra dificuldades de mobilização por causa da própria crise sanitária e da crise econômica que a cada dia eleva o número de desempregados neste país. Talvez o tema ganhe menor estridência daqui para a frente, como pode ganhar repercussão não calculada a dias de hoje. O sentimento ou a voz rouca das ruas são imprevisíveis na história política brasileira. Quanto a Bolsonaro, agora, é senhor dos holofotes. Com um Congresso aparentemente acumpliciado, nas Mesas Diretoras, terá que mostrar serviço – e resultados de uma agenda que, conforme sua queixa, foi atrapalhada o tempo todo pelo Parlamento.
O capitão, claro, está feliz. Pouco importa se acabou, tristemente, rendendo-se à política do “é dando que se recebe” que tanto condenou na campanha eleitoral, quando tentou se apresentar como candidato outsider, desvinculado de oligarquias e da escola da velha e tradicional política brasileira. Que nada! Bolsonaro é macaco velho. Foi às compras e conseguiu o que queria ter. Sem precisar chamar um cabo e um soldado nem mandá-los fechar instituições como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. No placar elástico de ontem, pode ter ficado implícita a janela para a reeleição que Bolsonaro tanto ambiciona, embora tivesse repetido tanto que não dava trela para esse negócio de “continuísmo”….