São inúmeros os fatos marcantes da trajetória do ex-governador Tarcísio Burity, cuja evocação de 15 anos de morte transcorre neste domingo, 08. Um dos episódios diz respeito ao desapontamento do ex-governador paraibano para com o ex-presidente Fernando Collor de Melo, o primeiro a sofrer impeachment na história política brasileira. Burity fora o primeiro governador de Estado a declarar apoio à candidatura de Collor, na ilusão de que ele fosse, realmente, um fato novo numa conjuntura dominada por caciques e oligarcas desgastados. A cruzada empreendida por Collor no governo de Alagoas contra os detentores de altos salários, por ele denominados marajás, sensibilizou Burity, como, de resto, parcelas expressivas da sociedade brasileira.
Houve, também, o combate duro e firme de Collor ao governo do presidente José Sarney, investido emergencialmente com a morte de Tancredo Neves. Ao qualificar Sarney como o maior batedor de carteira do país, Collor reduziu a pó uma personalidade que ainda hoje insiste em manter sob controle o Estado e o povo do Maranhão. A ofensiva de Collor desmoralizou Sarney, que foi cada vez mais se isolando em termos de apoio popular, sobretudo quando o Plano Cruzado fez furos e desapareceram da tela da Rede Globo os auto-denominados fiscais de Sarney, investidos de autoridade informal para fechar supermercados e estabelecimentos flagrados em desrespeito ao congelamento de preços e tarifas. Burity, que se espelhava nos estadistas fortes como exemplos históricos, avaliou, equivocadamente, que Collor poderia compor a linhagem no deserto de líderes assomados com a redemocratização pós-golpe militar.
Collor, como se sabe, enganou a todos, ludibriou vergonhosamente a opinião pública brasileira e internacional, revelando-se um blefe no exercício da presidência, em que procurou dar vazão à sua vaidade e cercou-se de uma equipe novidadeira nas propostas, mas sem substância e, em alguns casos, sem competência para tanto, a exemplo da ex-ministra Zélia Cardoso de Melo, alçada ao papel de czarina da economia brasileira e que acabou engolfada pelo canto meloso de um político amazonense, casado, com quem protagonizou cenas de nitroglicerina pura no dizer do próprio presidente da República, ruborizado ao saber que o par de ministros dançara Bèsame mucho, de rosto colado, em ambiente concorrido das noitadas de Brasília. Mas, no que diz respeito a Burity, foi de outra ordem o vexame que lhe impôs Collor. O então presidente, sem comunicação prévia ao aliado de primeira hora que apostou nele, decretou a liquidação extrajudicial do Banco do Estado da Paraíba, o Paraiban, alegando problemas insanáveis de gestão.
Além de ter sabido da notícia através do Jornal Nacional, quando se encontrava na Granja Santana, Tarcísio Burity teve o dissabor de ser informado, ao telefone, de que auditores do Banco Central estavam instalados no Paraiban, vasculhando contas e assumindo o controle da instituição, numa espécie de intervenção branca. Pelo telefone, o governador tentou reverter a situação humilhante. Trocou diálogos ásperos com o presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, que estava pouco se lixando para os problemas da Paraíba, e com a própria ministra Zélia. Por fim, numa manobra rocambolesca, digna de fitas de cinema, Burity fez-se introduzir num jantar oferecido a Collor por um professor universitário americano, amigo seu, que o convidou. Diante de um Collor estupefato, Burity não se fez de rogado, disse-lhe poucas e boas a respeito do seu comportamento desatencioso para com a Paraíba. Cobrou de Collor, o Indiana Jones, coragem para decretar liquidação extrajudicial nos bancos de grandes Estados como Banerj, no Rio de Janeiro governado por Leonel Brizola, e no Banespa, de São Paulo, governado por Orestes Quércia. Ficou claro, para Burity, que Collor só era corajoso para penalizar os pequenos, tremendo de medo ao se defrontar com grandes Estados.
A partir daí, Burity refez completamente a opinião que tinha firmado sobre Fernando Collor de Melo. Como ele costumava dizer, estava diante de uma nova exegese, mais profunda, mais densa, a respeito do personagem que se apresentou ao Brasil como o novo e que, na verdade, era um impostor profissional tentando sobressair-se pela porta da política. Até o fim da vida, que ninguém falasse mais em Collor na frente de Burity. O ex-governador tinha suas razões para desassossego à simples menção do nome do ex-presidente. Esta é apenas uma das facetas da grande figura que a Paraíba perdeu, com a morte de Tarcísio Burity.
Nonato Guedes