Nonato Guedes
Uma proposta de emenda à Constituição apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues, do PT-AP, que é líder do governo na Casa Alta, muda as regras da escolha de senadores a partir das eleições de 2026, impedindo as chamadas “dobradinhas” na disputa e favorecendo candidatos governistas. De acordo com o “Poder360”, integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendem a mudança com o receio de perder as eleições para a renovação de 2/3 do Senado em 2026, quando haverá 54 das 81 cadeiras em disputa. Em vez de os eleitores escolherem dois candidatos para as duas vagas em cada unidade da Federação, como manda a Constituição, o voto seria em apenas 1 nome. Assim sendo, em 2026 seriam eleitos os dois mais bem votados em cada unidade federativa e, dessa forma, os candidatos governistas teriam mais chance de ficar com uma das duas vagas em disputa por Estado. Não haveria mais as “dobradinhas”, de chapas com dois candidatos de direita disputando e com possibilidade de vitória.
Randolfe Rodrigues, autor da PEC que já provoca polêmica nos meios políticos, é um dos 54 senadores cujo mandato termina daqui a dois anos e que terá dificuldades para se reeleger em seu Estado. Se a regra for alterada, ele teria um pouco mais de chance, pois todos os votos da esquerda poderiam ser concentrados nele. A maioria no Senado é avaliada como fundamental para um eventual segundo mandato consecutivo de Lula ou de algum candidato de esquerda a partir de 2027. Além disso, há um temor de que a Casa Alta, se ficar com maioria da oposição (de centro-direita ou de direita), possa, também, levar adiante uma proposta de aprovar um pedido de impeachment de um ou mais ministros do Supremo Tribunal Federal. Como nota o “Poder360”, o próprio presidente Lula, líderes governistas e até ministros do STF têm feito reuniões e conversas para traçar estratégias e evitar esse cenário de um Senado oposicionista em 2027. Além de priorizar o apoio a candidatos pró-Planalto desde já, uma mudança das regras eleitorais seria de grande utilidade para evitar uma maioria de senadores anti-esquerda daqui a dois anos.
Em muitos Estados, há, hoje, pré-candidatos ao Senado se apresentando com uma plataforma quase única: “Vote em mim que eu vou ser a favor do impeachment de ministros do Supremo”. Um dos nomes mais visados é o de Alexandre de Moraes, que é o relator do inquérito das chamadas fake news e dos processos contra os vândalos do 8 de Janeiro em Brasília. Em 2022, renovou-se 1/3 do Senado, que passou a ter 15 partidos em sua composição em 2023. A maior bancada é a do PL, ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, com 13 representantes, seguida do União Brasil, com 12. MDB e PSD elegeram 10 senadores cada um. Randolfe lembra que a Carta de 1988 manteve a tradição constitucional republicana de assegurar a participação, no Senado, de três representantes de cada unidade da federação, eleitos por voto direto. Nesse âmbito, apenas as Constituições de 1934 e 1937 dispuseram de forma diversa, prevendo dois representantes por unidade da federação na composição do Senado. Também é da tradição constitucional republicana – ressalta ele – o mandato senatorial de oito anos, com renovação da composição da Câmara Alta em um e dois terços, alternadamente, a cada quatro anos.
Randolfe afirma que, como a eleição de senadores se dá pelo sistema majoritário, o eleitor brasileiro dispõe de dois votos nos pleitos para prover duas vagas. Esse modelo, do voto em bloco individual, tem sido a regra desde sempre. Cada partido/coligação pode apresentar dois candidatos, o eleitor dispõe de dois votos e são eleitos os dois candidatos mais bem votados. “Sem embargo, é igualmente compatível com o sistema majoritário a atribuição de um único voto por eleitor nos pleitos em que mais de uma vaga deva ser preenchida. Como bem observa Jairo Nicolau no livro “Sistemas Eleitorais”, o assim chamado voto único intransferível constitui uma das variantes do sistema majoritário, aplicável a distritos plurinominais. Tal esquema nos parece ser mais adequado para a nossa realidade do que o atualmente adotado, por uma série de razões”, acrescenta Randolfe. Ele argumenta que o eleitor é psicologicamente condicionado a fazer escolhas singulares, explicando: “Na disputa de todos os demais cargos eletivos, o eleitor vota em um único candidato, e é ilusório acreditar que, tendo de votar em dois candidatos a senador, ele dedique o mesmo grau de atenção e cuidado naquela que constitui sua segunda escolha”.
Sem meias palavras, o parlamentar petista enfatiza que “é disto que se trata”: o eleitor costuma ter preferência por um candidato, propiciando, na disputa por duas vagas ao Senado, o fenômeno do voto ordinal subjetivo. O segundo voto muitas vezes é dado sem maior reflexão e na esteira do primeiro. Com isso, é possível a um candidato que seria a primeira opção de um número mais reduzido de eleitores receber a segunda maior votação, graças aos votos que lhe foram dados em segunda opção. “Em nosso entendimento, essa é uma evidente distorção do atual modelo”, analisa, advertindo que o pleito com dois votos também pode proporcionar uma falsa impressão de maior legitimidade dos eleitos comparativamente ao senador escolhido nas eleições anteriores, já que a probabilidade de receberem uma votação mais expressiva é maior. Mas isso só ocorre porque o eleitor dispõe de dois votos, de modo que um candidato, além de receber os votos dos eleitores que o têm como primeira escolha, também pode receber votos como segunda escolha. Evidentemente, fatores como o número de concorrentes e a fragmentação das escolhas do eleitorado também influenciam esse resultado. E conclui: “Em face das vantagens do modelo de voto único intransferível, consideramos imperioso alterar a legislação eleitoral para determinar que nos pleitos de renovação de dois terços do Senado, o eleitor disponha de apenas um voto, sendo eleitos senadores os dois candidatos mais bem votados”.