Nonato Guedes
Referência em questões relativas ao meio ambiente, o jurista paraibano Herman Benjamin, recentemente empossado na presidência do Superior Tribunal de Justiça, se diz alerta em relação às queimadas que têm devastado áreas imensas do Pantanal, do Cerrado e de uma parte do interior de São Paulo e admite que “falta punição”. No biênio que passará no comando de uma Corte que analisa uma miríade de processos, que vão desde briga de condôminos a prisão de governadores, o magistrado, que é conhecido entre os seus pares como um juiz rígido e detalhista, disse em entrevista à “Veja” que quer fazer das causas do racismo, da dignidade dos presos e da proteção aos idosos as principais plataformas de sua administração. Sobre a destruição dos biomas, comentou que a degradação ambiental no Brasil é um processo histórico e lembra que o desmatamento continua desenfreado devido a anistias recorrentes que o poder público concede a quem devasta, especialmente em relação às multas.
“A expectativa que se tem é que destruir vale a pena porque mais para frente virá uma borracha para apagar. Além disso, com raras exceções, ninguém no país chama de criminoso e trata como criminoso quem desmata ilegalmente 50 000 hectares de floresta. O fato é que estamos diante de um Estado teatral. Existem as leis, mas elas não produzem efetividade”, verbera Herman Benjamin. Para ele, o Poder Judiciário pode ser um instrumento de efetividade da lei ou um instrumento de leniência para o descumprimento da lei. “Hoje somos muito lentos nas questões ambientais. A condenação de um grande desmatador dez anos depois não vai ter o efeito que poderia ter se ocorresse em um período de tempo razoável. Temos que dar aos casos ambientais a prioridade que damos a outras categorias, como a violência doméstica”, reivindica ele. Uma demonstração política de comprometimento, a seu ver, seria retirar o crédito e os benefícios fiscais de quem desmata ilegalmente ou de quem queima. “Se o exemplo vier dos grandes, os médios e pequenos vão gradativamente passar a cumprir a lei”, teoriza.
Além da preocupação com os atentados ecológicos, Herman Benjamin mantém-se atento ao combate à corrupção, dizendo ser impossível imaginar um Estado de direito em que a integridade no cuidar do patrimônio público não seja um dos pilares. “É uma ficção imaginarmos que vamos acabar com a corrupção, mas queremos, como Estado de direito, criar barreiras para, de um lado, proteger o patrimônio público e, de outro, criar incentivos, inclusive pelo exemplo, de que o patrimônio público é de todos. Corrupção que é identificada e não é punida é estímulo a mais corrupção. Temos visto, no entanto, ações de enfraquecimento de mecanismos de punição a corruptos e corruptores no Brasil. A mudança na Lei da Improbidade, por exemplo, permite que se roube à vista e se pague em modestas prestações a perder de vista. É a receita para a vulnerabilidade do Estado e do patrimônio público. Em vez de a lei significar um obstáculo ou um desestímulo ao mau comportamento, é o oposto. Funciona como uma espécie de propaganda, de incentivo: “Faça porque nada de muito grave vai acontecer”. É a trilha certeira para o surgimento de novos escândalos”, acrescentou o ministro nas declarações a “Veja”.
Benjamin observa que vigora no país um sistema presidencialista de coalizão em que o chefe do poder, por mais bem intencionado que seja, não tem controle total sobre a máquina administrativa, o que facilita a ação dos dilapidadores do erário. Para ele, “muita gente pensa o Estado como se fosse uma entidade metafísica, um habitante de Marte, quando é esse mesmo Estado que vai fornecer educação, saúde, transporte e todos os benefícios sociais”. E emenda: “Parece que o Estado é a casa da mãe Joana, que se pode fazer o que se quer, inclusive dilapidá-lo. Quem eventualmente se atreva a defender o Estado é chamado de fiscalista. É como se o Estado fosse o inimigo. O combate à corrupção faz parte de um pacote do bem que reúne questões existenciais. Ele tem que ser permanente – e o Judiciário tem que estar atento”. Sobre ameaças à democracia, notou: “Estes últimos anos mostraram que nossas instituições, apesar dos extremismos, são fortes e conseguem sobreviver. O Judiciário brasileiro é uma instituição tão sólida que, embora não possa sozinha fazer milagres, em momentos críticos, como ocorreu recentemente, tem condições de assegurar as bases do Estado de Direito, de impedir excessos autocráticos, ambições de aspirantes a ditador, degradadores da natureza que se imaginavam permanentemente impunes e também todos aqueles que eventualmente pensem que podem fazer com o patrimônio público o que bem entenderem”.
Herman Benjamin fustiga a possibilidade de uma anistia para os envolvidos nos episódios de 8 de Janeiro. “Um país como o Brasil não pode ter uma legislação e uma aplicação da legislação que esteja ao sabor dos ventos. Isso é a receita para as pessoas não cumprirem a lei. Não pode acontecer. Não se pode transigir com a possibilidade de as nossas decisões serem apagadas da noite para o dia. Ficam desmoralizados a lei e os juízes, porque, se isso ocorrer, acabamos virando juízes do nada”. Na fala à revista “Veja”, o presidente do STJ concluiu que a magistratura brasileira é uma das mais preparadas, capazes e independentes do mundo. “Não podemos sofrer do complexo de vira-latas, mas temos que fazer um certo dever de casa no sentido de assegurar que a população nos veja não como protagonistas dos debates político-partidários, com opinião sobre tudo, porque isso acaba por enfraquecer o sentimento de imparcialidade, imprescindível à legitimidade de que precisamos. Ser juiz significa, por exemplo, reconhecer que nunca será rico”. Por fim, Herman Benjamin ‘decreta’ que é preciso dar aos tribunais a cara do povo brasileiro. “A sociedade tem que se ver em cada um deles”, proclama.