Nonato Guedes
“As declarações que o presidente Lula fez sobre ele mesmo, de que pratica a responsabilidade fiscal, mostraram sua capacidade de perceber efeitos negativos de cenários criados pelo próprio governo. Repetindo o que ocorreu mais de uma vez em seus mandatos, em algum momento o presidente leva em conta as reações e recua”. As análises são do economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney, em seu blog na revista “Veja”. Para ele, além de difamar o presidente do Banco Central, Lula arvorou-se de especialista em política monetária, afirmando que a taxa Selic estava errada. Disse que escolheria uma pessoa “digna” para a presidência do BC, chamando indiretamente de indigno o chefe do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Maílson prossegue: “Quando o dólar subiu, em boa parte por causa dessas declarações, o presidente da República preferiu lançar mão de teorias conspiratórias, afirmando que o movimento da moeda americana teria a ver com a ação de especuladores. Sustentou que perderiam dinheiro os que apostassem no dólar. Como nada disso se confirmou e taxa de câmbio bateu nos 5,70 reais, Lula resolveu cair na real. Ouviu economistas ligados ao PT mas até eles o teriam alertado sobre as razões de desvalorização cambial, ou seja, o próprio Lula”. O chefe do governo parou de atacar o presidente do BC, asseverando que jamais será irresponsável do ponto de vista fiscal, enquanto o ministro da Fazenda anunciou um contingenciamento de 29 bilhões de reais e que Lula recomendara cumprir o arcabouço fiscal. Em consequência, a moeda americana chegou a ser cotada a 5,49 reais. “O mercado se influenciou rapidamente com declarações como essas, mas elas estão longe de ser coerentes”, adverte Maílson.
O ex-ministro segue lembrando que, na sequência, Lula havia afirmado que não admitirá a desvinculação do salário mínimo, que sobe em termos reais, aos gastos previdenciários. “O correto, como se faz em outros países, é reajustá-los com base na inflação. É justamente nesse campo que se situa a maior irresponsabilidade fiscal. Nos próximos dez anos, segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, o custo dessa política será de 1,3 trilhão de reais, superando as economias da reforma previdenciária de 2019, que somaram 800 bilhões de reais. Mesmo assim, participantes do mercado elogiaram as declarações, o que contribuiu também para a queda dos juros futuros. Maílson faz uma ressalva: “Ocorre que os cortes tendem a ser meramente temporários, dada a rigidez orçamentária”. Cita que economistas do mercado têm afirmado que o arcabouço fiscal se tornará tão insustentável quanto o teto de gastos, caso não se resolva a questão dos insustentáveis gastos obrigatórios. “Nenhum deles acredita, todavia, que isso possa acontecer nesse governo. De fato, Lula e o PT se opõem a rever os pisos constitucionais dos gastos com saúde e educação, a desvincular o salário mínimo das aposentadorias ou a apoiar uma nova reforma da Previdência”.
No resumo dessa análise, Maílson avalia que as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre responsabilidade fiscal e sobre o arcabouço fiscal foram positivas e acalmaram o mercado, mas ele acha pouco provável que os respectivos compromissos possam ser mantidos. “A volatilidade tem tudo para retornar em algum momento, em futuro próximo”, teoriza o economista, que é sócio da “Tendências Consultoria”. As contradições fiscais do atual governo, conforme Maílson da Nóbrega, têm provocado instabilidade econômica-financeira no país e alcançado repercussão internacional negativa para o mercado brasileiro. O pior, conforme Nóbrega, é a escalada de ataques de Lula ao Banco Central, na qual estaria embutida uma enorme desinformação sobre as razões da independência do órgão. “Muitos interpretam que seu objetivo seria torná-lo um bode expiatório para o caso de eventual fracasso no cumprimento de suas promessas de crescimento da economia. Mas, se for essa a estratégia, tem tudo para dar errado”.
Um dos erros de concepção de Lula que Maílson aponta é a afirmação de que a autonomia do Banco Central é uma reivindicação do mercado. “Na verdade – explica o ex-ministro – isso decorre da necessidade de separar a execução das políticas monetária e fiscal. A independência “protege” os governantes da tentação de usar o BC para impulsionar sua popularidade. A redução forçada da taxa básica de juros, como Lula almeja, gera incertezas e fuga de capitais, o que provoca depreciação da moeda e elevação de preços. O efeito é o contrário: alta de inflação e perda de popularidade”. O ex-ministro, por fim, refere-se à expectativa do presidente de ter um presidente do Banco Central que olhe o Brasil como ele é e não do jeito que o sistema financeiro fala. “Tudo indica, felizmente, a julgar como votaram seus indicados na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que o Banco Central continuará adotando decisões técnicas, no exercício de sua função básica de cumprir as metas de inflação, independentemente do que pensa o presidente sobre a taxa Selic”. E arremata Maílson: “É isso que interessa ao país”.
