Nonato Guedes
Dono de indiscutível intuição política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já farejou que o movimento recorrente para impeachment do presidente Jair Bolsonaro não passa de “lero-lero” e que dificilmente será levado adiante um processo de afastamento do mandatário – não porque faltem motivos ou pretextos para crimes de responsabilidade, mas porque não há conjuntura propícia a tal orquestração. O atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que poderia vir a ser o patrono de uma ofensiva pró-impeachment, tende a repetir o mesmo papel covarde e melancólico desempenhado pelo antecessor Rodrigo Maia (DEM-RJ), que sentou em cima dos pedidos de impeachment e deixou o cargo sem oferecer satisfação plausível à opinião pública acerca do seu posicionamento.
Numa resposta enviada ao Supremo Tribunal Federal, diante de provocação sobre o “exame da admissibilidade” de um processo de impeachment, Lira obtemperou que isto não se limita a uma mera análise formal e que a tramitação de pedidos dessa natureza pode e deve passar por uma análise política. Textualmente, o presidente da Câmara avaliou, na resposta: “A tramitação desses pedidos deve avançar para a conveniência e oportunidade políticas de se deflagrar um processo de impeachment do titular do Poder em torno do qual historicamente se tem organizado todas as demais instituições nacionais”. Deu-se tal resposta em um Mandado de Injunção que pedia à Corte para determinar ao presidente da Câmara que desse destino, fosse o arquivamento ou o prosseguimento, aos mais de cem pedidos de impeachment que estão na Casa.
– Ante o exposto, é forçoso concluir que o exame liminar de requerimento de afastamento do Presidente da República, dada a sua natureza política e em vista da sua repercussão em todo o sistema político nacional, não pode seguir um movimento automático, podendo e devendo esta Presidência ser sensível à conjuntura doméstica e internacional – acrescentou Arthur Lira. Há duas verdades que precisam ser ditas como complemento a essa postura omissa do presidente do Legislativo; 1) Arthur Lira, expoente do Centrão, grupo político fisiológico dominante na Câmara, ascendeu à presidência da Câmara, derrotando Baleia Rossi (MDB-SP) na condição de candidato da preferência de Jair Bolsonaro, que mobilizou sua tropa de choque para concretizar o resultado; 2) O doutor Ulysses Guimarães costumava dizer que somente a voz rouca das ruas seria capaz de pressionar o Parlamento a tomar medidas radicais envolvendo a Presidência da República. Por ora, a sociedade está desmobilizada, até em função das medidas de isolamento social decorrentes da pandemia de coronavírus.
Têm se registrado, é claro, já há algum tempo, manifestações de protesto contra o atual presidente da República, sobretudo diante da postura negacionista e debochada ou cínica que assumiu quando confrontado com o alarmante número de óbitos causados pela epidemia de Covid-19. Muitos desses protestos se dão em forma de “panelaços”, articulados no alto de edifícios e de apartamentos em diversas capitais e cidades brasileiras, quando a situação se torna insuportável no Brasil. Mas são ações isoladas, não constituem movimento organizado, que tenha na liderança figuras de expressão do ajuntamento que faz oposição a Bolsonaro, em especial grupos de esquerda. Mesmo o PT, através de Lula, não tem incentivado aglomerações, temendo o pior. O partido resiste, então, na denúncia sistemática de atos do presidente da República em redes sociais ou em pronunciamentos de Lula a órgãos de comunicação, além das declarações dele em chamadas por videoconferência com grupos restritos.
Note-se que, inclusive, atento à dificuldade das oposições de aglomerarem nas ruas gritando o seu impeachment, tal como ocorreu com o “Fora Collor” em 1992 e com “Fora Dilma” em 2016, o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores fiéis de redes sociais preparam carreatas e manifestações públicas dispersas, em sinal de adesão ao blá-blá-blá do capitão, geralmente acatando palavras de ordem que são sopradas por Bolsonaro e respectivos porta-vozes. Foi assim com reações públicas contra governadores de Estados e prefeitos de Capitais e outros municípios que mantêm fechado o comércio e fechadas outras atividades econômicas, como medida preventiva para evitar a disseminação do contágio de coronavírus. Bolsonaro não é propriamente forte no cargo, mas a oposição não demonstra que é forte o suficiente para levá-lo às cordas ou para fazer o seu governo sangrar nas ruas.
Por isso é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “macaco velho” experimentado em política, aproveita os amplos espaços de liberdade que voltou a desfrutar para costurar alianças políticas e tricotar apoios de partidos com representatividade à sua candidatura a presidente da República, em 2022, que em princípio está assegurada pelo Supremo Tribunal Federal após a anulação das condenações impostas ao líder petista no âmbito da Operação Lava-Jato, esta francamente decaída no “Novo Normal” que o país experimenta. Lula não se deixa seduzir pelo canto da sereia do impeachment. Pessoalmente, está convencido de que não passa de “lero-lero” porque não sente a parcela majoritária da sociedade mobilizada para esse fito estratégico. Por isso é que o cálculo político de Lula lhe recomenda que acumule forças para tentar derrubar Bolsonaro pelo voto, no embate a céu aberto em outubro do próximo ano.
Esta é a realidade que conta, sem tirar nem pôr!