Nonato Guedes
Desde a campanha eleitoral o presidente Jair Bolsonaro investe contra a Rede Globo de Televisão, desdenhando das suas informações e do seu potencial de liderança no mercado. Já fez ameaças de que não renovará a concessão para funcionamento da emissora, que tem uma história respeitável na comunicação brasileira, independente de polêmicas. Elexinga repórteres, sonega informações, proíbe ministros de falarem para os noticiosos, principalmente o “Jornal Nacional”, que, por sua vez, tem adotado uma postura cada vez mais crítica diante do governo. Nas redes sociais, Bolsonaro açula seguidores a atacar a estação fundada por Roberto Marinho, enquanto prioriza aparições e entrevistas ou intervenções em programas jornalísticos de emissoras concorrentes, como o de José Luiz Datena, na Band, ou de apresentadores da Record e, ultimamente, da CNN Brasil.
A Globo tem incomodado Bolsonaro, particularmente, nestes tempos de pandemia do coronavírus, por divulgar os números das vítimas da doença e por apresentar reportagens que mostram a realidade de descaso e omissão do poder público em momento de calamidade. Ontem, ao ser questionado sobre atrasos na divulgação oficial do número de vítimas do coronavírus, Bolsonaro passou recibo da sua indisposição com a Rede. Sem que ninguém fizesse qualquer menção a nenhum órgão de imprensa específico, o presidente disse: “Acabou matéria do Jornal Nacional”. Então, explicou que o atraso na divulgação dos números oficiais se devia à necessidade de pegar os dados mais consolidados. Mas não explicou por que, por mais de 70 dias, foi possível consolidar os dados mais cedo. E nem porque os números que são divulgados às 22h constam de uma planilha que atualiza dados até as 19h.
E mais: como habitualmente faz, Jair Bolsonaro criticou o jornalismo da Globo, acrescentando: “Ninguém tem que correr para atender a Globo”. Por trás de tudo isso, há outros interesses, que convergem para reforçar a postura negacionista do presidente diante da escalada da pandemia. Por exemplo: ele defende excluir do balanço diário sobre os dados do coronavírus no Brasil os números de pessoas que morreram em dias anteriores. O balanço divulgado atualmente pelo Ministério da Saúde inclui os dados das últimas 24 horas e os números acumulados. O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, disse que cogita propor ao TCU e aos tribunais de contas estaduais que sejam requisitados e consolidados os dados estaduais para a divulgação diária de informações até as 18h.
Bolsonaro tem sido especialista em lançar mão de truques ingênuos para dar vazão a seus instintos de raiva e de autoritarismo. De um modo geral, não tem tido uma relação fácil com a imprensa, seja com jornais, emissoras de rádio, televisão, sites e portais de notícias. Isto decorre da sua incapacidade para conviver com o contraditório, com o regime democrático – ao invés, o presidente é recorrente na apologia a regimes de força e a atos de exceção como o famigerado AI-5. Por não saber lidar com as críticas que são normais na democracia, acaba cometendo idiossincrasias que apequenam sua imagem (ele já deixou de ser seguido no Twitter pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump). No caso da polêmica sobre a divulgação de números de casos do Covid-19 Bolsonaro protagoniza a teoria do sofá em que o marido traído retira o móvel da sala apostando que dará um fim à traição. Ao brigar com números, Bolsonaro briga com fatos. E com fatos de extrema gravidade. Naturalmente não conseguirá debelar a incidência dos casos nem apagar o quadro de calamidade reinante.
O presidente alega que falta seriedade na apresentação dos números de mortos feita pela imprensa (leia-se: principalmente pela Globo). “Parece que esse pessoal que faz…o Globo, Jornal Nacional, gosta de dizer que o Brasil é recordista em mortes. Agora, falta inclusive seriedade”. O presidente implica, também, com a Organização Mundial de Saúde, que recomenda medidas de isolamento social, tem postura crítica sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento do coronavírus e massifica a necessidade de utilização de máscaras (detestadas pelo presidente brasileiro). Em nota, a Globo afirmou que “o público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora”. E, na sequência: “Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados, porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público”.
Na sexta-feira, 5, foram registradas mais 1.005 mortes. O total de óbitos supera 35 mil. A pandemia de Covid-19 já matou mais do que a gripe espanhola no Brasil. Esse tipo de notícia não interessa a Bolsonaro. Mas, seguramente, interessa ao Brasil e ao mundo.