Nonato Guedes
Ministro da Educação no governo do general João Batista Figueiredo, o último presidente do regime militar que durou 21 anos, a partir de 1964, o acadêmico e crítico literário Eduardo Mattos Portella, baiano de Salvador, foi demitido porque se solidarizou com uma greve de professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Portella, que era apadrinhado por Euclydes Figueiredo, irmão de João Batista e autor de “Tratado Geral dos Chatos”, durou pouco mais de um ano na Pasta e acabou cunhando uma frase que entrou para os anais históricos: “Não sou ministro, estou ministro”. Uma indiscutível lição sobre a transitoriedade do cargo de ministro, que vem à tona nesta conjuntura em que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é criticado publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro por discordar dele e pregar o isolamento social enquanto prosperar a pandemia do novo coronavírus.
Há outros casos antológicos de ministros que, apesar de sua qualificação, são defenestrados dos cargos de forma até humilhante por presidentes da República de plantão. Cristovam Buarque, por exemplo, no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi demitido por telefone quando se encontrava em visita oficial a Portugal. Antes de viajar, teria perguntado a Lula se podia ir tranquilo, recebendo sinal positivo. O ex-ministro fez questão de que um amigo o fotografasse, em Lisboa, em frente à Casa Havaneza, ao lado de uma estátua de Fernando Pessoa, no instante em que o presidente telefonou para desempregá-lo – conta o historiador Marco Antonio Villa no livro “Década Perdida – Dez Anos de PT no Poder”. Tarso Genro foi o novo ministro da Educação no lugar de Cristovam Buarque, e a saída de Buarque coincidiu com uma dança de cadeiras efetuada por Lula para acomodações políticas.
Em depoimento ao escritor Frei Betto, o ex-presidente Lula garantiu que não sabia que seu ministro estava em Lisboa – imaginava que estivesse em Brasília. Marco Antonio Villa diz que era pura hipocrisia de Lula. Textualmente, é esta a versão de Lula dada a Frei Betto: “Fiquei sem jeito, pois teria preferido uma conversa cara a cara. Mas, assim como a gente liga para a Austrália para dizer a um companheiro que ele vai ser ministro, pensei: por que não comunicar também que será demitido? Falei com o Cristovam que eu precisava do lugar dele e que ele poderia desempenhar um papel importante no Senado. Acrescentei que preciso fazer a reforma universitária e a presença dele à frente de um ministério poderia ser interpretada como corporativismo, já que foi reitor da UnB (Universidade Nacional de Brasília). Terminei perguntando: “Sem mágoa, Cristovam?”. E ele respondeu: “Sem mágoa, presidente”.
O mesmo Marco Antonio Villa conta que a ministra Benedita da Silva, da Secretaria Especial de Assistência e Promoção Social do primeiro governo Lula, a partir de 2003,vagueou como “zumbi” pelos corredores do poder em Brasília até ser demitida. Em setembro, ela foi acusada de ter ido à Argentina para uma atividade de fim religioso e não governamental. Em Buenos Aires, participou do Décimo Segundo Café Anual de Orações. Teria, de acordo com noticiário, arranjado um compromisso oficial, marcado no dia anterior, com a ministra argentina da Promoção Social somente para emprestar legalidade a uma viagem pessoal bancada com recursos públicos, na qual se faria acompanhar ainda de uma assessora, também beneficiada com o pagamento das despesas e o recebimento de diárias. Não foi o primeiro caso envolvendo a ministra. Em maio, viajara a Portugal nas mesmas condições, ou seja, com objetivos religiosos acima dos governamentais. Era quase uma fundamentalista em um país de Estado laico – compara Marco Antonio Villa.
E emenda: “No mesmo mês de setembro, pouco antes do passeio em Buenos Aires, Benedita fora aos Estados Unidos. Resolveria, no entanto, antecipar a viagem em cinco dias e assim dar uma esticada até Nova York, tudo pago com dinheiro público – afinal, nem ela era de ferro. Ao se realizar um balanço dos primeiros cem dias de governo Lula, Benedita surgiria como a ministra cuja milhagem saía pelo ladrão: era quem mais tinha viajado. Visitara quatro países: Paraguai, Argentina, França e Bélgica. Depois de quase um mês de polêmica, resolveria depositar o dinheiro gasto na viagem de encontro com evangélicos à Argentina. Argumentou que não queria criar constrangimento para o presidente Lula e que teria depositado em juízo o valor do transporte que fez na Argentina para provar que a viagem oficial àquele país tinha fundamento. Pouco adiantaria. Depois de longa agonia, em 21 de janeiro de 2004, acabaria demitida”.
No caso do ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, ele tem tomado posições desafiadoras em relação à autoridade do capitão. Permanece na Pasta mesmo sendo desautorizado publicamente pelo presidente da República. Líderes políticos em Brasília acreditam que Bolsonaro teme um profundo desgaste ao demitir Mandetta, pelo fato de que o ministro está conduzindo medidas de prevenção ao alastramento do coronavírus, doença que generalizou o pânico na população brasileira. Mas em Brasília dá-se como favas contadas a exoneração do ministro passada a fase mais aguda da questão do novo coronavírus. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costumava advertir, a propósito de ministros que não correspondiam: “A caneta que nomeia é a mesma que demite”. Mandetta está com a cabeça a prêmio há bastante tempo. Mas Bolsonaro é tão imprevisível e “mercurial” que é capaz de mantê-lo no cargo, passada a tempestade do coronavírus.