Por Nonato Guedes
No livro “Tarcísio Burity – O intelectual na política paraibana”, lançado quinta-feira, 4, no Espaço Cultural de João Pessoa, em evento bastante concorrido, a escritora e ex-primeira-dama do Estado, Glauce Maria Navarro Burity deixa claro, em alguns capítulos, que apesar de consciente e desapontado com as armadilhas do jogo político, refletidas em ambições pessoais e traições, o ex-governador sentiu-se realizado na vida pública, pelas oportunidades que teve de servir à Paraíba. Glauce lembra que em 2003 Burity chegou a ser internado no Hospital das Clínicas de São Paulo e ao receber alta, já esgotado pelas complicações de saúde e sem forças para continuar, deu uma entrevista exclusiva à jornalista Nelma Figueiredo (in memoriam), afirmando: “Vou fechar o parêntese da vida política, na qual entrei acidentalmente, e não me arrependo, mesmo com os erros e acertos, pela modesta contribuição que dei ao Estado”. Sua última tentativa de voltar à política deu-se em 1998, quando disputou o Senado pelo PPB e perdeu para Ney Suassuna, então no PMDB. Para a ex-primeira-dama, Burity contrariou oligarquias políticas locais, foi fenômeno e ‘ponto fora da curva’ na realidade paraibana.
Relata dona Glauce sobre a candidatura de Burity ao Senado em 1998: “Em casa, tentamos persuadi-lo a desistir dessa candidatura, mas ele achava que renunciar seria dar uma demonstração de medo. Por outro lado, ele anda nutria o sonho de lutar por um tratamento diferenciado para o Nordeste e dizia que, se fosse eleito, trabalharia para recuperar os instrumentos de desenvolvimento regionais, como a Sudene, extinta pelo PSDB do governo Fernando Henrique Cardoso e substituída por uma agência que nada gerenciava”. Glauce acrescenta: “Com a saúde abalada, em virtude de dois infartos, e sem condições de viajar para o interior, ele participou da campanha com muita dificuldade. Não era mais aquele Burity com energia incomum. Estávamos diante de um homem doente e sem forças”. Para a escritora, o ex-governador começou a morrer a partir dos tiros que levou no restaurante Gulliver em 1993, disparados pelo então governador Ronaldo Cunha Lima. Mas ela acentua que na última eleição disputada pelo marido, o poder econômico falou mais alto, o que não o impediu de ser o segundo colocado, com 394.294 votos.
Glauce menciona no livro declarações de Tarcísio Burity a este colunista, numa entrevista exclusiva para a revista “Bastidores”, em 1995, em que ele admite retornar à cena, fez desabafos e comentou o “caso Gulliver”, explicando: “Pretendo continuar na política até por dever moral, até por causa do atentado que sofri”. Burity, na verdade, sentia-se desapontado por não ter havido qualquer punição judicial contra o ex-governador Ronaldo Cunha Lima, que, em paralelo, vivia sua própria tragédia brigando para pacificar a consciência diante do momento traumático que o levou a atirar no antecessor. Uma das causas atribuídas ao gesto de Ronaldo teria sido a defesa do filho, Cássio Cunha Lima, superintendente da Sudene, que era alvo de denúncias focando a instituição que ele dirigia e que reverberaram com intensidade na Paraíba, diante da exploração política que os opositores do grupo Cunha Lima fizeram. Cabe recordar que, mesmo com o estigma pelos tiros disparados contra Burity, Ronaldo Cunha Lima elegeu-se senador em 1994, em dobradinha com o senador Humberto Lucena, numa chapa que tinha Antônio Mariz (também eleito) como candidato a governador.
O que avulta do livro de Glauce Burity, cujo lançamento contou com autoridades como o governador João Azevêdo (PSB), é a reconstituição cristalina do perfil de um intelectual de vasta cultura humanística, que chegou a frequentar seminário religioso, optou pelo Direito e especializou-se em Ciência Política, tornando-se um ativo importantíssimo, um quadro de valor excepcional nas hostes jurídicas-políticas da Paraíba. Glauce desce a detalhes, que somente ela poderia revelar, sobre como se deu o processo de conversão do marido à atividade política, desnudando as influências que o levaram a ser escolhido chefe do Executivo em processo indireto, como uma espécie de “tertius” em meio a conhecido impasse ensaiado entre Antônio Mariz e Milton Cabral. Depois de ungido governador, Burity disputou um mandato de deputado federal e obteve consagradora votação, tendo retornado ao Palácio da Redenção pelo voto, em 1986, com quase 300 mil sufrágios de diferença sobre o ex-senador Marcondes Gadelha.
Desse ponto de vista, segundo Glauce confirma, Tarcísio Burity irrompeu como um fenômeno que foi fortemente contestado por oligarquias políticas tradicionais que se revezavam no poder estadual, pagando um alto preço pela independência de posições e até mesmo pelas posições reformistas que incorporou ao seu discurso como expoente liberal. A ciumada foi tão mais intensa quando Burity consagrou-se, já no primeiro governo, como um visionário, dotando o Estado de obras de impacto, a partir da Capital e assumindo posições firmes ou corajosas que destoavam do padrão de subserviência e comodismo de outros governantes. A liderança de Burity incomodou e contrariou inúmeros interesses, principalmente, de setores da elite, que reclamavam privilégios. Ele se negou a jurar a Constituição Estadual de 89, desafiando a Assembleia Legislativa e, logo na iniciação política, em entrevistas à grande mídia, defendeu eleições diretas para presidente da República e para outros níveis de poder. Burity só não tinha paciência para o varejo, o que realça o brilhantismo intelectual que o caracterizou. O estilo personalista não permitiu que deixasse herdeiros políticos, mas inscreveu seu nome na História e fez diferente, injetando um sopro de renovação na mesmice institucionalizada no seu Estado. O livro resgata as múltiplas e fascinantes facetas de Tarcísio Burity.
Fonte: site Polêmica Paraíba
