Nonato Guedes
A polêmica causada pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que fez uma fala xenófoba contra o Norte e Nordeste, chegando a propor uma frente Sul-Sudeste que teria simbolismo de uma guerra interfederativa, faz lembrar a divergência entre Wilson Braga e Tancredo Neves, ambos eleitos governadores da Paraíba e de Minas Gerais em 1982, pelo PDS e pelo PMDB, respectivamente. O desaguisado começou com a comparação feita por Tancredo de que o PDS havia se tornado um partido nordestino por ter vencido majoritariamente em todos os Estados da região. Braga entendeu a alusão como pejorativa ao Nordeste e elevou o tom chamando o Estado de Minas Gerais de “gigolô” da economia brasileira. Não satisfeito, prometeu lutar para retirar Minas do Conselho Deliberativo da Sudene, inclusão derivada do fato de uma parte do território das Alterosas estar situado no chamado Polígono das Secas.
– Precisamos acabar com essa estória de nós, do Nordeste, que já temos poucos recursos, tirar o pouco que temos para desenvolver Minas Gerais. O mineiro deve se convencer de que ele tem de viver com seus próprios recursos e sua própria economia e não ficar tirando fatias dos dois lados, do Sul e do Nordeste, sem oferecer nenhuma contribuição ao processo de desenvolvimento nacional – alfinetou Wilson Braga, um dos maiores líderes populistas da história da Paraíba. A declaração foi feita na primeira entrevista coletiva de Braga após vencer por 151 mil votos de diferença o candidato do PMDB ao governo, Antônio Mariz. Então exercendo, ainda, mandato na Câmara Federal, Wilson analisou que Tancredo quis fazer uma crítica à pujança do partido governista no Nordeste, “esquecido de que vencemos também no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e em outras regiões”. A proposta de exclusão de Minas da Sudene, por meio de mudança na legislação constitucional vigente, não foi levada adiante.
Embora tido como um político vinculado ao sistema, Wilson Braga era conhecido pelos rompantes de independência em relação a ministros e ao próprio governo federal que apoiava. Numa exposição de motivos encaminhada ao ministro do Exército, general Walter Pires, o governador paraibano sugeriu o aproveitamento da água acumulada em açudes públicos do Nordeste em projetos de irrigação desenvolvidos pelo Primeiro Grupamento de Engenharia e Construção sediado em João Pessoa. Criticou a ausência de um programa de governo para solucionar definitivamente o problema da seca e acentuou que não estava preocupado com o descontentamento que suas falas provocavam em setores governamentais. “Não posso permitir o silêncio conivente quando se nega ao povo nordestino um mínimo de condições para a sua sobrevivência”, protestou. Denunciava que a eliminação de artigos da Constituição de 1967 retirou da Sudene os instrumentos necessários para acelerar o desenvolvimento da região. Braga chegou a comemorar de público a demissão de um ministro da Agricultura, Amaury Stábile, que, segundo ele, prejudicava o Nordeste. “Temos agora um inimigo a menos”, verberou.
Apesar da linhagem populista, Wilson adotava ou encampava algumas posições reformistas na sua trajetória como homem público, defendendo, por exemplo, a reforma agrária e a reforma tributária, além de ter concorrido, sempre, pelo voto direto, não chegando a ser governador biônico da Paraíba, posto ocupado em pleno regime militar por alguns líderes locais. O embate com Tancredo em 1982 parecia uma prévia do confronto que voltaram a ter lá na frente, na última eleição indireta para a Presidência da República, quando Wilson fechou com a candidatura de Paulo Salim Maluf, mesmo com todo o desgaste que este enfrentava, contra Tancredo Neves, que tinha respaldo popular. A última eleição indireta provocou cisão no “clã” familiar do poder na Paraíba, já que a mulher de Wilson, Lúcia Braga, declarou ostensivamente sua simpatia por Tancredo, enquanto ele recepcionava Maluf e ciceroneava o então governador de São Paulo nos contatos para assegurar votos de delegados paraibanos ao Colégio Eleitoral em Brasília. Wilson Braga e Lúcia faleceram vítimas de covid-19 e não deixaram herdeiros políticos, mas, sim, órfãos entre eleitores, sobretudo das camadas sociais marginalizadas.
A briga puxada agora pelo governador de Minas, Romeu Zema, o opõe diretamente a um outro governador da Paraíba – João Azevêdo Lins (PSB), reeleito em 2022 e que é presidente do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste Esse consórcio foi criado em pleno governo de Jair Bolsonaro (PL) como resposta à hostilidade pessoal do presidente contra governadores nordestinos, que ele chamava de “governadores de paraíba”. Coube a João Azevêdo responder com altivez a Romeu Zema, que, segundo se diz, tenta ocupar o espaço da direita na corrida presidencial futura, diante da inelegibilidade e da queimação de Bolsonaro. A repercussão negativa da guerra proposta por Zema, entre alguns dos seus prováveis aliados, pode ter queimado irremediavelmente a sua imagem no que toca a pretensões futuras. No Norte e Nordeste, seguramente, ele já larga com rejeição altíssima, ocasionada pela inabilidade e pela infelicidade das afirmações que atingiram diretamente o povo dessas regiões.