Nonato Guedes
A entrada espetacular do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no jogo político nacional, tem irritado o seu ex-chefe Jair Bolsonaro, que apesar de estar fora do circuito para as eleições de 2026, conforme inelegibilidade decretada pelo TSE, reluta em passar o bastão da liderança das forças de direita que se movem em oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao petismo e à esquerda. Entre eleitores de direita há quem busque um nome que possa, como Bolsonaro em 2018, reunir várias subcorrentes ideológicas para fazer frente ao petismo e a Lula- e Tarcísio seria uma opção óbvia, por ser militar da reserva, conservador, ex-ministro do governo anterior e detentor de um recall de cerca de 12 milhões de votos, obtidos na disputa contra Fernando Haddad pelo Palácio dos Bandeirantes. Mas Tarcísio incomoda ostensivamente a Bolsonaro – inclusive pelas credenciais que aparentemente reúne.
Analistas da mídia nacional observam que desde a semana passada Bolsonaro, mesmo inelegível, tem insistido em insinuar que não está fora do páreo e viria enviando vários recados ao seu ex-ministro da Infraestrutura. Chegou a sentenciar que ele não tem a experiência política desejada para assumir a liderança de uma corrente de opinião que pode ser expressiva, somando-se o resíduo da fidelidade dos apoiadores bolsonaristas que ainda sonham com a volta de Messias. O governador de São Paulo ganhou destaque ao defender a aprovação da reforma tributária, contra a qual o ex-presidente Bolsonaro e seu partido, o PL, se posicionaram. Particularmente uma cena abalou o ex-presidente: aquela em que Tarcísio de Freitas posou para uma foto ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em meio às articulações para aperfeiçoar o texto da reforma tributária. Bolsonaristas mais radicais não esconderam o julgamento sobre o governador de São Paulo como suposto traidor da corrente a que pertenceu.
O chefe do Executivo de São Paulo nunca disse, de forma enfática, que pretendia se candidatar à Presidência da República – pelo contrário, tem dito que, se depender dele, disputará a reeleição por São Paulo, dentro da expectativa de empreender uma administração de resultados e de repercussão nacional. Mas é fato concreto que Freitas tem sido sondado não só por lideranças partidárias mas por expoentes intelectuais da direita, para assumir um papel de protagonismo político no vácuo das limitações de Bolsonaro, que ainda tem inúmeros processos contra ele que precisarão ser deslindados até que possa reconquistar espaços de poder. A acusação de oportunista que é feita ao governador reproduz uma tática semelhante à que foi adotada para fritar o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, quando ele ainda tinha chances de disputar a Presidência. O colunista Wilson Lima, de “O Antagonista”, analisa: “O candidato da direita bolsonarista não será o mais viável política e eleitoralmente, mas aquele que demonstrar uma fidelidade canina a Jair Bolsonaro”. É o prenúncio de uma divisão que agrada muito ao PT e às forças de esquerda.
Em análise no “Congresso em Foco”, Lydia Medeiros afirma que ao chegar a Brasília no início da semana, Tarcísio de Freitas parecia disposto a encarnar o papel de líder da oposição à reforma tributária. Ele se reuniu com a bancada do Estado de São Paulo na Câmara e passou a criticar pontos importantes da proposta, principalmente o novo mecanismo de distribuição da arrecadação dos tributos, um conselho federativo. Esperava contar com o apoio dos governadores do Rio, Cláudio Castro (PL) e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Não deu certo, e mudou de rumo, refazendo a sua estratégia. Nessa tática, foi modulando a ação e o discurso para escapar do isolamento na oposição e assumir a liderança das negociações. Na quarta-feira, ao lado de Haddad, já se apresentava como “parceiro” da reforma, concordando com 95% do texto, e pregando ajustes na via do entendimento para superação de divergências políticas. A guinada enfureceu o ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja ira foi compartilhada por outros bolsonaristas fanáticos, a esta altura deserdados de uma hipotética candidatura de Freitas à Presidência em 2026.
A verdade é que se houve intenção do governador de São Paulo de ajudar Bolsonaro a não ficar no “gueto” em meio às discussões, essa intenção não evoluiu para gestos concretos. Nem havia clima, a julgar pela intransigência do ex-mandatário. Não faltou quem lembrasse que o ex-ministro da Fazenda, Paulo Guedes, um fiel escudeiro de Bolsonaro, nunca foi um entusiasta da reforma tributária e nem trabalhou para sua aprovação no Congresso, mediante ações de convencimento ou de diálogo. Como arremata a jornalista Lydia Medeiros: “A reforma tributária deu ao governador Tarcísio de Freitas a chance de entrar no jogo e atuar como um político. É cedo para previsões eleitoreiras. Mas, nesta semana, Tarcísio de Freitas assumiu de fato o posto de governador de São Paulo”.