Linaldo Guedes
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A ilha é uma extensão de terra firme cercada de água por todos os lados, costumam dizer os compêndios escolares. Ou também costumamos dizer que “fulano vive numa ilha”, quando queremos falar de alguém que gosta do isolamento, da solidão. A poesia de Porcina Furtado abrange esses dois conceitos. Em seu livro de estreia, a autora sertaneja surpreende com uma poética lírica, madura, enxuta, musical e fortemente erótica em alguns momentos. “Ilha Perdida”, obra publicada este ano pela Arribaçã Editora, tem capa e projeto gráfico de Getúlio Salviano.
Porcina Furtado é natural de Sousa, no sertão da Paraíba. onde reside. É poeta, atriz, produtora cultural, professora, graduada em Letras pela UFPB, especialista em Gestão Escolar pelo IFRN. Porcina começou a escrever poesia ainda criança, por influência do avô que cantava cordéis para as crianças nas noites sem luz elétrica. Para não esquecer os versos, escrevia-os nas paredes da sala. Tem dois livros em e-book publicados e um na coletânea de Poesia “Rimas do Sertão” com autores sertanejos
Voltando a falar de seu livro.
Do ponto de vista geográfico, a ilha de Porcina Furtado é cercada por três cursos de rios, que desaguam em sua poesia. No primeiro, o leitor tem a chance de conhecer a poeta e seu eu-lírico, uma “vinha em flor”, como anuncia no primeiro poema do livro, a falar de ruas, de lua, de tempos e de amores.
Creio ser essa característica a que melhor se realiza na poesia de Porcina Furtado: a do lirismo. Manuel Bandeira dizia não querer saber do lirismo que não fosse libertação. E a poesia de Porcina é pura libertação. De pássaro que voa rasgando o sertão, com seu canto mavioso. Confiram poemas como “A rua onde moro”, “A Lua e Eu”, “Desejos”, “Relógio”, “Trem das cinco”, entre outros. São poemas que nos levam a uma poesia própria da primeira fase do Romantismo, aquela de “Suspiros Poético e Saudades”, cheia de evasões no tempo e espaço. Confiram o poema “Novelos do tempo”:
O cesto é antigo
Há muitos novelos
Com linhas e cores
O cesto anda pesado
Não consegue se sustentar
E vai se esvaziando na estrada
Dias que andam dentro de mim
Dias melancólicos felizes
Outras angústias alegres
A linha dos novelos
Vai se misturando
À ausência presente
De dias medonhos
Que a vida roubou
De tempos passados.
O segundo traz as águas do erotismo e é impressionante como a poesia erótica de Porcina se realiza e se afirma em diálogo com o outro, com o corpo masculino. Além de tudo é sinestésica, nos fazendo sentir os cheiros e a excitação em sua poesia. Lendo sua poesia erótica é como se estivéssemos sentindo o que eu-lírico fala. Como em “Flor do deserto”:
Minha flor deserta
De cheiro suave
Pétalas macias
Branca rosada
Fica orvalhada
Com sua chegada.
No terceiro, o eu-lírico se fecha mais em seu mundo, em suas filhas, em suas ilhas particulares. Como em “Canção para Luiza” – vendaval de melodia -, “Poema negado” – sem pretender ser herói de nada – e “Ironia” – a espera da calma através da ironia de Machado de Assis. Nesta parte do livro, Porcina se abre mais a experimentações na linguagem, com poemas visuais, concretos e valorização de ontomatopeias em outros.
Em seu livro de estreia, Porcina nos convida a adentrar em sua casa poética. Em seus cômodos. Na poesia erótica, nos braços, flores, barbas mal feitas, pernas, etc. Na lírica, janelas, ruas, praças e relógios. O que dizer desse livro, a não ser exortar para que leiam Porcina Furtado! E se achem, poeticamente, em sua “Ilha Perdida”!
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.