Kubitschek Pinheiro
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O vento leva uma folha da mangueira no chão do jardim e coisas assim esticam minha vontade de escrever. Eu sou um homem triste. Sempre fui. Hoje cedo, o céu azul aqui do Cabo Branco e os pássaros estão em toda parte, no espaço que sempre foi deles. Isso me alegra. Queria escrever sobre os homens de boa vontade, sobre a solidariedade, sobre o amor que nos resta.
Queria escrever sobre os cabelos brancos da escritora Ana Adelaide, os meus cabelos brancos, a vontade de pedalar, de achar uma botija e se mandar para outros mundos.
Queria escrever sobre a obra de Solha, o artista plural, que há anos vive em seu natural isolamento. Queria escrever sobre as torres das igrejas, Do Carmo, das Mercês, São Judas Tadeu e a Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves. Onde andará Dom Pelé, que tanto lutou pelos miseráveis que são massacrados até hoje?
Queria escrever sobre trindades, trilhas, um tico-tico no fubá, amigos reunidos na Varanda Tropical. Queria escrever sobre as 4 estações de Vivaldi ou sobre o violão calado do menino Vítor. Talvez, o saxofone do meu primo Vandick. Ou o único trompete azul projetado e tocado pelo lendário Miles Davis, a voz de Nina Simone enchendo minha casa de plenitude ou a mocinha Janis Joplin gritando para que a mãe a escutasse.
Queria escrever sobre o sertão, os banhos de açude, o açude sangrando, cujo som era arrastado pelas pedras; queria escrever sobre as calçadas, meu pai me abraçando e as tertúlias do Clube da esquina de frente a nossa casa. Tudo está morto.
Essa minha inquietação, compulsiva e viva, um tumulto de saudades, saudade de Amélia que era mulher verdade. Queria escrever sobre Zeus e as deusas nuas e lá perto da lousa, o belo quadro Retrato de Adele Bloch-Bauer de Klimt. Saudade da professora Z.
O olhar parado da moça na janela do prédio de frente à nossa casa e uma angústia que me acalma. A lentidão com que percorro cada pequeno detalhe da cena, a esperança a soltar-se ao sabor do vento da vitória. Sou persistente. A praia está vazia de banhistas, a areia fina arrastada pelo mar alterado que festeja alguma coisa.Tão longo, tão longe e tão perto e na véspera nenhuma novidade.
Dois dedos de prosa com Jória Guerreiro (adoro conversar com ela). Minhas conversas diárias com o jornalista Silvio Osias, minhas risadas e as risadas dela Lourdes Freitas, a beleza da menina Salomé que vai ser mãe, “Mamão Coragem”, cujo filho há de afagar sua fronte, desenhando carícias na face macia da moça que ainda mora em Roma.
Queria ver Walter Galvão saindo da banca de revista em Tambaú com a Folha de São Paulo nas mãos, como se fosse um baquete. Queria escrever sobre a bondade de Socorro Leite; sobre o sorriso cúmplice e a humildade natural ddas crianças. Queria escrever sobre a saúde das crianças, das que estão nos abrigos esperando adoção. Queria escrever sobre Maria, mãe de Germano Toscano, que já, já fará cem anos.
Queria escrever sobre o beijo, com sabor da fruta mordia, queria escrever que a pandemia acabou, que matamos o Covid 19, essa estranha peste invisível. Queria escrever sobre o erotismo. Do bem que o sexo faz.
Queria escrever sem curvas nem postagens, o coração partido e o apeadeiro. A volúpia da fragrância fresca que alimenta minhas dos jasmins adormecidos do nosso jardim. Sobre viagens completas, o caminho das Índias, das especiarias, dois braços à volta como se vida fosse uma cintura fina.
Ponto a ponto, o (dedo) indicador definindo o rumo, como que apontando o paraíso, um passo mais para o destino, um abraço forte apertando no peito dessa gente humilde, que vontade de chorar…
As minhas retinas sobre o encanto de mais um dia, geografias, Cruzeiro do Sul, Rosa dos Ventos, astronomia, constelação de uma só estrela, estrela maior, a Estrela da Manhã do Bandeira, da primeira grandeza, o sistema solar e o universo de Severino de João Cabral de Melo Neto
Silencio! Já não sei mais escrever… .
Kepatadas
1 – Todos os dias, repriso os mesmos rituais: o jardim, a biblioteca, o computador e outros espaços com a consciência viva do que estou fazendo.
2 – A vida sugere êxtases gloriosos. Minhas lágrimas decantam apelos soterrados.
3 – Som na caixa – “Vai boiadeiro que a noite já vem, guarda o teu gado e vai pra junto do teu bem”.