O ex-magistrado Márlon Reis, responsável pela Lei da Ficha Limpa, confirmou sua candidatura ao governo do Tocantins pela Rede. Além disso, o ex-juiz Odilon de Oliveira examina a hipótese de ser candidato ao governo pelo Mato Grosso do Sul ou a senador pelo PDT. Na esteira da crescente militância do Judiciário, os magistrados flertam com candidaturas para 2018, revela uma reportagem da revista “CartaCapital” assinada por Caroline Oliveira. De acordo com a matéria, apesar de negar publicamente qualquer intenção de se candidatar a cargos públicos, o juiz Sergio Moro costuma ser lembrado em pesquisas eleitorais. Num levantamento do Datafolha de setembro, o juiz da Lava Jato de Curitiba aparece empatado tecnicamente com Lula num hipotético segundo turno. Em junho deste ano, Joaquim Barbosa, relator do “mensalão”, disse que não descartava a possibilidade de se candidatar. Na mesma pesquisa do Datafolha, Barbosa aparece com 5% das intenções.
Versões disseminadas na mídia nas últimas horas assinalam que Luciano Huck, apresentador do programa “Caldeirão”, na Rede Globo, que pretende disputar a presidência da República, sonha com nomes de “notáveis” para compor sua chapa. Márlon Reis, que esteve em João Pessoa proferindo palestra sobre a Lei da Ficha Limpa, disse à “CartaCapital” acreditar que o ingresso de membros do Judiciário no quadro político é uma resposta à inoperância dos partidos para produzir novas lideranças. “A sociedade brasileira está em busca de novos líderes. A renovação e o reposicionamento dos partidos são importantes para se superar a maneira tradicional de organização política”, acrescentou Márlon.
O ingresso de magistrados na cena política provoca restrições e desconfianças naturais. O advogado da ex-presidente Dilma Rousseff e do senador Aécio Neves, alertou que o juiz não é um ator político e deve ficar centrado nos processos que examinam. “A partir do momento que passa a atuar com a projeção política, seu papel fica distorcido”, salienta Toron. Segundo Carol Proner, professora de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a consequência do aumento da atuação do Judiciário é a ampliação da politização da Justiça. “Isso não é bom nem mau, em princípio. Faz parte do jogo de correlação de forças com os interesses da sociedade”, adiantou.
“CartaCapital” informa que a percepção dos juízes de que podem ocupar o vazio deixado pela atual classe política é, em parte, reflexo do crescente protagonismo da Justiça em assuntos antes reservados ao Executivo e ao Legislativo. A partir da Constituição de 1988, temas complexos e ambíguos como o direito à vida, à educação e à saúde opuseram a Justiça, governantes e parlamentares em diversas ocasiões. É a chamada judicialização da política, que tem cumprido um papel importante neste momento de desmandos por parte do governo de Michel Temer e do Congresso Nacional. Na transferência de responsabilidade de outros poderes para o Judiciário, porém, deve haver um cuidado para a separação entre eles não entrar em colapso, segundo a professora Carol Proner. Ela explica, mais didaticamente:
– Há riscos evidentes nesse acúmulo de poderes em órgãos formados por pessoas que não foram eleitas e não estão comprometidas com pautas políticas de representação. Não é de bom tom que um magistrado brilhe mais que a causa a ser julgada. Não convêm prêmios midiáticos e a ideia de herói-herói é algo que gera insegurança jurídica. Isso não significa, porém, que ex-juízes não possam se candidatar às eleições.
Luciana Gross Cunha, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas, traz o exemplo da concessão feita pelo Judiciário de medicamentos não listados no Sistema Único de Saúde. “Se pensarmos um modelo liberal de Estado e de separação dos poderes, o Judiciário não deveria imiscuir-se na decisão de conceder um remédio, pois isso já foi definido pelo Executivo”, afirma. A candidatura de ex-magistrados pode ser um risco ao Estado Democrático de Direito quando a dicotomia do ilegal e do legal é transferida para o debate político, cuja demanda é do diálogo e do dissenso, explica Luciana. E arremata: “Esse discurso de ilegalidade e criminalização, quando levado para o âmbito político, é ruim para a democracia”.
Segundo a pesquisadora, outra questão que se coloca é o modo como os juízes despontam como “salvadores da Pátria” para as eleições de 2018. “De fato, por serem do Judiciário, colocam-se acima do bem e do mal, fora da corrupção e de tudo aquilo que a política representa. E não é verdade, porque uma vez dentro da política, eles farão política. Quanto à interferência direta dos magistrados, ela acredita que, diante do desgaste enfrentado pela classe política, personagens do Judiciário aproveitam para apresentar um modelo moralista”. Enquanto alguns juízes buscam a disputa eleitoral, arena adequada para se fazer política, outros aderem à atuação partidária sem tirar a toga. O principal exemplo apontado é o do ministro Gilmar Mendes, que tem protagonizado bate-bocas agressivos no plenário do STF.
Nonato Guedes