Coube ao deputado federal Luiz Couto, do Partido dos Trabalhadores, a iniciativa de prestar uma justa homenagem a dom José Maria Pires, que foi arcebispo metropolitano da Paraíba durante 30 anos e que faleceu recentemente em Minas Gerais, sendo sepultado em João Pessoa. Couto sugeriu que o nome de dom José figure no Livro dos Heróis da Pátria, no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. Ele justificou a sua propositura referindo-se às lutas travadas por dom José em favor dos pobres e dos oprimidos e, também, aos embates pelas liberdades democráticas e contra as violências cometidas pela ditadura militar instaurada em 1964 e que foi oficialmente declarada extinta em 1985.
Depois das exéquias que assinalaram a despedida do povo paraibano de dom José Maria Pires, a iniciativa do deputado-padre Luiz Couto constitui a primeira homenagem marcante, como reconhecimento ao trabalho de um religioso que se dedicou de corpo e alma às causas justas, fazendo-se vigoroso no enfrentamento das injustiças praticadas. Dom José, vale a lembrança, chegou a João Pessoa em plena instauração da ditadura civil-militar. Num primeiro momento, quando ainda estava em Minas Gerais, chegou a aplaudir a instalação da nova ordem, iludido com as promessas de democracia e de combate ao comunismo. Mas ao chegar à Paraíba, por escolha do Vaticano, deu-se a grande conversão. Dom José foi a voz mais expressiva que se ouviu contra as arbitrariedades cometidas pela longa noite das trevas.
Num depoimento que me deu, entre inúmeros outros que ele expendeu, dom José Maria Pires explicou que tomou um choque ao se deparar com duas realidades absurdas na Paraíba: em primeiro lugar, a pobreza acentuada de camadas expressivas da população, de permeio com a exploração mantida por proprietários rurais que não sofriam qualquer punição. Eram os senhores de baraço e cutelo, que tinham liberdade para montar milícias privadas a fim de intimidar camponeses, quando não assassiná-los. A brutalidade dessa conjuntura transtornou e transformou dom José Maria Pires. Ele sentiu uma espécie de chamamento e, na sequência, a necessidade de ser fermento no meio da massa, apoiando os oprimidos nas lutas por suas reivindicações ignoradas pelas elites e pelos expoentes do capital. Dom José indispôs-se, em paralelo, com representantes da linha dura das Forças Armadas, que começavam a pôr em prática medidas de exceção, com o sacrifício das liberdades públicas.
Com a pobreza campeando e a democracia ameaçada, dom José Maria Pires decidiu agir como um profeta das denúncias. Havia um outro fator determinante na moldura da personalidade que forjou na Paraíba – a influência do Concílio Vaticano Segundo, que revolucionou parcelas da Igreja e tornou legítima a opção preferencial pelos pobres e excluídos ou marginalizados. Dom José recusou-se a atender imposições de chefes militares baseados na Paraíba e encarregados de aplicar a nova ordem antidemocrática, autoritária. Defendeu religiosos que eram perseguidos inapelavelmente pelos agentes da ditadura. Criou o primeiro Centro de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana no Brasil, para acolher exilados e perseguidos políticos. Intercedeu para a soltura de freiras holandesas vítimas da violência policial mancomunada com a mão armada do latifúndio no Estado.
Enfim, dom José teve um trabalho dos mais relevantes na denúncia das violações de direitos humanos na Paraíba e no Brasil como um todo, perfilando-se com expoentes do chamado clero progressista, a exemplo de dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, e dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo da arquidiocese de São Paulo. O deputado Luiz Couto conheceu de perto esse trabalho e o agigantamento de dom José Maria Pires nas lutas sociais. Daí a homenagem assaz oportuna e que, esperamos, seja a primeira de uma série, para o resgate da importância de dom José e o conhecimento por parte das novas gerações quanto ao seu legado.
Nonato Guedes