O chamado “instituto” da reeleição para cargos executivos no Brasil não é um mal em si, muito menos uma aberração. Está consagrado em várias democracias, a partir dos Estados Unidos, onde o presidente Barack Obama está concluindo seu segundo mandato e vai passar o bastão a Donald Trump, que derrotou Hillary Clinton. Em tese, a reeleição foi concebida como uma espécie de julgamento. Um plebiscito popular sobre a primeira gestão encetada por quem está no poder. E uma oportunidade que se dá a governantes para levarem adiante metas que ficaram pelo meio do caminho, ora porque a conjuntura foi madrasta, ora porque não havia fosfato da parte deles para investir na criatividade e em novos projetos de impacto ou repercussão.
No Brasil, como soi acontecer, a reeleição já nasceu maculada. Em 1978, ela foi instituída como uma manobra para favorecer Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que ansiava por um segundo mandato. A aprovação da medida deu-se em meio a suspeitas de compra de votos de parlamentares, de aliciamento na base de vantagens ou da concessão de favores para que o gestor fosse premiado com o direito a concorrer novamente – desta feita com a diferença de que poderia concorrer sem se desincompatibilizar, ou seja, mantendo-se à frente da máquina. Evidente que isto, por si só, gerou uma situação de desigualdade para outros postulantes, que não dispunham de facilidades idênticas. Esses dois fatores criaram uma impressão negativa do instituto da reeleição.
Mas o fato é que, quem era contra e passou a ter direito, não quis abrir mão. Tal se deu com o Partido dos Trabalhadores, onde Luiz Inácio Lula da Silva comandou a cruzada de denúncias sobre corrupção gravitando em torno da aprovação da reeleição. Lula foi candidato à reeleição para dois mandatos – os de 2002 e 2006. Ainda tentou emplacar uma emenda casuística no Congresso, assegurando-lhe um terceiro mandato, mas isto não vingou. Era overdose de lulismo no poder e foi descartada “in limine” não apenas no âmbito do Congresso mas na mídia e nos segmentos sociais, alertados para a ameaça de instauração de um continuísmo sem precedentes na história política do país. Teríamos, nessa eventualidade, uma espécie de ditadura consentida, com o aval das ruas. Era um experimento atípico demais para a conjuntura política brasileira, razão porque foi descartado.
A adoção da reeleição para presidente da República ocasionou um fato colateral: a sua extensão para mandatos executivos nos Estados e municípios. Esta é a configuração da realidade que se verifica no país todo – de Norte a Sul. E há, também, o fato de que a recondução acaba sendo ilimitada, pois passados os dois mandatos consecutivos, é possível, lá na frente, retomar-se o governo com a unção das urnas, se a conjuntura for favorável, se os ventos soprarem positivamente em prol de quem se arrisca a tanto. Enfim, vai-se para a degola da reeleição. Fica no ar a pergunta: quando a medida valerá, também, para senadores (que têm oito anos de mandato e direito à reeleição ilimitada) e para deputados federais, estaduais e vereadores, que têm direito a quatro anos de mandato e reeleição ilimitada? No Brasil, as coisas são sempre maquiadas, o que coincide com o famoso “jeitinho”, uma invenção tipicamente nossa que ainda hoje deixa embasbacados os nativos de outros países.
Por Nonato Guedes