Nonato Guedes
O advogado, acadêmico e ex-secretário de Estado Solon Benevides, um dos mais qualificados expoentes do Direito na região, lançará segunda-feira, às 18h, na Academia Paraibana de Letras, o livro “Constituinte e a Constituição de 1989”, em que aborda peculiaridades da Carta Magna Estadual, que constituiu adaptação à Constituição Federal derivada da Assembleia Nacional Constituinte que mobilizou a sociedade brasileira no pós-ditadura militar. Na Paraíba, a adaptação do texto ocorreu em clima de embate político entre Poderes, sobretudo o Executivo e o Legislativo, diante de alegados casuísmos enxertados por deputados que faziam oposição ao governador Tarcísio Burity, falecido em julho de 2003 em São Paulo. Burity negou-se a jurar o texto, o mesmo se dando com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Josias do Nascimento, o que insuflou parlamentares a considerarem que houve gesto de desrespeito ou desobediência à Lei.
Solon Benevides lembrou, em contato com este colunista, que as duas autoridades, a rigor, não eram obrigadas a formular o juramento constitucional, sendo compelidas, por lei, a cumprir os éditos legais em vigor conforme a melhor tradição jurídica e uma vez dirimidas todas as pendências porventura decorrentes de interpretação sobre a conformidade da Constituição. Para o escritor e membro da Academia Paraibana de Letras Jurídicas, havia impropriedades no texto que acabaram sendo expurgadas ou escoimadas por decisão do Supremo Tribunal Federal, a quem o Executivo da Paraíba recorreu constantemente para coibir abusos e aparar ilegalidades. Uma emenda proposta pelo falecido deputado Pedro Adelson propunha, por exemplo, crime de responsabilidade para punir o governante, que poderia ser afastado do cargo por seis meses mediante a simples abertura de um processo pela Assembleia, a quem competia, também, julgar, cassar o mandato e suspender por oito anos o direito do gestor de exercer qualquer função pública. Caberia, também, à Assembleia, demitir secretários e o procurador-geral, por decisão de metade mais um dos parlamentares.
No cerne da polêmica que se estabeleceu, o então governador Tarcísio Burity declarava-se vítima de retaliação política por ter impedido o pagamento de reajuste nos salários que os próprios deputados se atribuíram em sessão da Casa. Burity só tinha, pela frente, pouco mais de um ano de mandato, que era o segundo no Executivo, e é certo que esse mandato foi bastante tumultuado em virtude de conflitos políticos criados por desinteligências entre o governador e o PMDB, pelo estímulo ao PL como partido alternativo de sustentação do governo, e por problemas administrativos que, por algum tempo, provocaram o imobilismo da ação governamental. A conturbação política-institucional foi agravada pelo fechamento do Paraiban no governo do presidente Fernando Collor de Mello, considerado como uma “punhalada” por Burity, e por dificuldades do governo estadual para obter autorização do Congresso à liberação de empréstimos, manobra que Burity atribuiu à bancada do PMDB, cujo chefe era o senador Humberto Lucena, com quem trocou, publicamente, verdadeiras epístolas a pretexto de seu desligamento da legenda pela qual voltara ao poder nas eleições de 86.
Falando como jurista e, também, como governador, Burity obtemperava que a Assembleia Estadual, a rigor, não era Constituinte, cabendo-lhe adaptar a Constituição Estadual à Federal. “Então, é ridículo alguns deputados estarem pensando que têm poderes absolutos como constituintes”. Sobre o não comparecimento ao juramento constitucional na Assembleia, ponderou que a ausência da formalidade não impediria que o texto entrasse em vigor e que todos a ele estivessem submetidos. “Confesso-me envergonhado com a Constituição que acaba de entrar em vigor. Ela será uma nódoa na história jurídica da Paraíba, não só pelos equívocos e inconstitucionalidades que possui, como pelos vícios políticos que apresenta. Com essa Constituição, os deputados queriam dar um golpe para me tirar do governo, mas não lograram êxito”, fustigou Tarcísio Burity, em linguagem assumida de confronto, dada a radicalização dos ânimos e a suspeita de envolvimento de adversários seus na trama para defenestrá-lo ou para desmoralizá-lo perante a opinião pública. Foram momentos de grande tensão nos meios políticos e jurídicos, com a pletora de recursos nas instâncias superiores em Brasília para tentar restabelecer a normalidade constitucional na Paraíba.
O Supremo Tribunal Federal, ao fim e ao cabo da querela agitada, derrubou todos os artigos que colidiam com normas e preceitos estabelecidos pela Constituição da República. O tema, pelas suas peculiaridades, foi explorado com competência por Solon Benevides, tornando-se a sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo, em que expendeu o ponto de vista de que algumas incongruências suscitadas indicavam tentativa de instalar um Parlamentarismo Estadual ou “tupiniquim”, em desacordo com a conjuntura nacional vigente. Solon Benevides afirmou ao colunista que, abstraindo idiossincrasias políticas-partidárias, sobre cujo mérito não se imiscui, a Constituição que passou a vigorar na Paraíba acabou guardando simetria com os princípios constitucionais federais, podando os excessos capazes de descaracterizar o texto de tal sorte – e aqui é observação nossa – que se estivesse diante de uma Carta Frankenstein.
A reconstituição de episódios de grande repercussão na história da Paraíba por parte do jurista Solon Benevides é oportuna, até mesmo indispensável, para um julgamento mais equilibrado de fatos que se sucederam lá atrás em nossa realidade. E a criteriosidade com que Benevides se aplica aos estudos jurídicos é o passaporte para conferir à leitura do seu texto a credibilidade de que carece o conhecimento de temas tão controversos e apaixonantes que fizeram a História do nosso Estado.