Antes da declaração preconceituosa do presidente Jair Bolsonaro contra governadores de paraíba, na semana passada, referindo-se a Flávio Dino, do PCdoB, governador do Maranhão, e João Azevêdo, do PSB, governador da Paraíba, uma celebridade do mundo do futebol valeu-se da expressão contra um juiz de futebol e chegou a ser ameaçado de processos judiciais. Em 1997, o jogador Edmundo, ex-Vasco da Gama e Seleção Brasileira, apelidado de Animal, que ultimamente tornou-se comentarista esportivo, chamou de paraíba o juiz cearense Dacildo Mourão, que apitou a partida entre Vasco e América do Rio Grande do Norte, em Natal.
Edmundo, naquele jogo, foi expulso de campo após cometer uma falta por trás e dar um puxão de camisa num jogador adversário. Ao sair de campo, desabafou, com veemência: A gente vem na Paraíba, aí aparece um paraíba só para prejudicar a gente. O juiz Dacildo Mourão, apesar dos conselhos e sugestões para processar Edmundo, não tomou qualquer medida contra o jogador. O governo da Paraíba, na época exercido pelo emedebista José Maranhão, atual senador, cogitou pedir indenização de R$ 2 milhões através da PB-TUR, sem, no entanto, levar à frente o intento. O jornalista Sebastião Barbosa, que atualmente reside no Chile, ingressou com processo contra o jogador Edmundo pedindo reparação e acusando-o da prática de racismo.
Na explicação que elaborou em sua defesa, o jogador garantiu que não teve a intenção de agredir ninguém e contou que no Sul do país é costume chamar de paraíba quem é originário do Nordeste. O apelido é utilizado com mais frequência no Rio de Janeiro. Em São Paulo, os nordestinos são chamados de baianos. Na região Nordeste, em 2018, viviam 56.760.780 pessoas, de acordo com dados oficiais fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, para um total de 208.495.900 pessoas em todo o país. Historiadores e pesquisadores do Nordeste criticam a recorrência com que o povo desta Região é tratado de forma pejorativa, evidenciando sentimentos de desprezo alimentados pela cultura de que o nordestino é analfabeto e que o Nordeste é atrasado econômica, social e politicamente, não obstante a contribuição do chamado Polígono das Secas com o desenvolvimento de grandes centros urbanos do país, sobretudo São Paulo, a partir do recrutamento de mão-de-obra barata para a construção de prédios naquele Estado.
A orquestração contra nordestinos não poupou, sequer, o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, que foi eleito por via indireta presidente da República, não tendo assumido o cargo devido a problemas de saúde que o levaram à morte. Eleito governador de Minas em 1982, Tancredo ironizou o PDS, sucedâneo da Arena, como um partido nordestino, insinuando que o PMDB fora agraciado com os votos dos Estados mais desenvolvidos que compunham o PIB (Produto Interno Bruto) do país. Tancredo foi traído na comparação, por esquecer que uma parte de Minas Gerais fica situada no Polígono das Secas, o que garantiu ao Estado assento no Conselho Deliberativo da Sudene. Analistas políticos acreditam que o preconceito contra o Nordeste se acentuou fortemente com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidente da República, com votações expressivas nesta região, onde ele nasceu (Lula é natural de Caetés, Pernambuco).
De tempos em tempos, grupos políticos sociais de direita, radicados em Estados como Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, desfraldam pela mídia a ideia surrada do separatismo entre regiões no país, tendo como objetivo principal desconectar o Nordeste do mapa nacional. A alegação é de que o Nordeste constitui um estorvo para o processo de crescimento econômico nacional. A ofensiva ganha cada vez mais adeptos entre segmentos desses Estados, mas não consegue se materializar na prática. Até plebiscitos foram realizados com esmagadora maioria a favor do separatismo, o que fere frontalmente a Constituição em vigor no Brasil. Num contraponto a essas manifestações segregacionistas, a cantora paraibana Elba Ramalho, que acaba de cumprir turnê com sucesso nos Estados Unidos, imortalizou a composição Nordeste Independente, que ironiza as propostas de separatismo mostrando as vantagens que a Paraíba teria caso houvesse, de fato, uma divisão territorial no país.
Nonato Guedes