O novo presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, com atuação política-parlamentar por Pernambuco, é o valioso trunfo com que o governador de São Paulo, João Doria, conta para pavimentar sua candidatura à presidência da República em 2022 e, mais do que isso, para tornar exitoso o desafio de levar os tucanos a descerem do muro. A ascensão de Bruno, com o aval de Doria, sinaliza a busca de um novo tempo dentro da agremiação, representado pela reposição de peças. A chamada velha guarda tucana, representada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-candidato a presidente Geraldo Alckmin, já passa recibo de chuteiras penduradas quanto a uma maior influência nos destinos da legenda.
O PSDB, mesmo com uma linha política-ideológica cambiante, logrou cumprir papel de destaque no cenário político nacional, ao polarizar, por pelo menos uma década, com o Partido dos Trabalhadores, os espaços de poder no plano federal. Fernando Henrique foi o único vitorioso nos embates, sendo eleito duas vezes para o Palácio do Planalto. Mas houve chances para que Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio Neves fossem testados na corrida presidencial. 2018 simbolizou um ponto de inflexão negativo para o PSDB o fim da polarização com o PT, com a entrada em cena de um outsider da política, o capitão reformado do Exército Jair Messias Bolsonaro, alçado à suprema magistratura da Nação em confronto com Fernando Haddad, o ungido, direto da cela da Polícia Federal em Curitiba, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ponto de inflexão vivenciado pelo PSDB, com sua ausência da disputa final pela presidência da República no ano passado, contribuiu para agilizar o processo de reflexão em que o partido vinha mergulhando já há algum tempo, sem entender concretamente o sentido dos sinais emitidos pela voz rouca das ruas, em manifestações que dispensaram o concurso e a intermediação de lideranças tradicionais e possibilitaram a emergência de nomes descomprometidos de estilos ultrapassados. Doria é uma consequência até fulminante desse processo que foi incorporado à sociedade brasileira. Em 2016, ele venceu as prévias do PSDB para indicação do candidato a prefeito de São Paulo e recebeu o sinete para ir atrás de votos. Conquistou a cidadela paulista no primeiro turno. Quinze meses após a investidura, renunciou para disputar o governo de São Paulo. Na convenção de ontem, em Brasília, mais modesta que outras convenções tucanas, mas talvez apropriada aos novos tempos, Doria foi saudado pelo coro Brasil para frente, Doria presidente.
Não há nenhum mal em identificar pontos semelhantes na trajetória política de João Doria com a de Jânio Quadros, com a diferença de que Jânio era um mestre do populismo e um vendedor de ilusões, além de operar como prestidigitador na política. Como Doria, Jânio explodiu nas disputas para vereador e prefeito de São Paulo, daí construindo biografia saltitante que o levou ao governo do Estado mais importante do Brasil e, depois, ao Palácio do Planalto. Jânio teve um histórico recheado de renúncias, inclusive, de renúncia à indicação como candidato a cargos majoritários relevantes. Fazia parte, dizem, do seu jogo de cena uma das facetas da figura histriônica que ele aparentava ser. Na mais dramática renúncia à presidência da República, Quadros armou e se deu mal. Em poucos meses de mandato, conquistado graças a uma votação extraordinária, decidiu deixar o cargo alegando que não tinha condições de governabilidade. Curiosamente o mesmo argumento que Jair Bolsonaro invoca hoje, sem, no entanto, falar em renúncia. Jânio, na verdade, planejara um golpe para voltar, com respaldo popular, como um semi-ditador, dispondo de poderes excepcionais, inclusive para legislar, o que tornaria o Congresso mera peça homologatória. No transe da renúncia inesperada, Jânio foi colhido por manobras de raposas políticas que nem discutiram a legitimidade da renúncia apenas a aceitaram. O resto é história. E folclore também.
No que diz respeito aos tucanos que se candidataram a presidente da República, nota-se que Alckmin não empolgou o eleitorado porque era tido como picolé de chuchu, ou seja, um postulante sem carisma e sem sabor; José Serra era tido como arrogante, expressão máxima do paulistério cujas elites sempre desdenharam do Nordeste, embora tenham se aproveitado da mão-de-obra que daqui migrou em busca de sobrevivência; Aécio Neves, enfim, deu no que deu guindado ao prontuário policial, desmoralizado nas urnas e desgastado no próprio Estado de origem, apesar de conservar imunidades principescas, sabe-se lá porquê. Fernando Henrique foi o hors-concours do PSDB, que merece capítulos à parte. Começa a Era Doria, e junto com ela a expectativa do fim do murismo tucano. É pagar para ver não há o que acrescentar.
Nonato Guedes