À custa do deplorável episódio da facada que sofreu em Juiz de Fora, Minas Gerais, o presidenciável Jair Bolsonaro ofuscou a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, no papel de vítima no processo eleitoral que está se esgotando e, de raspão, conseguiu uma blindagem perante críticas dos seus adversários na corrida pelo Palácio do Planalto. Bolsonaro, como se sabe, vinha despertando reações de concorrentes, algumas até agressivas, por causa de propostas autoritárias por ele defendidas em intervenções públicas sem muito aprofundamento, gerando dúvidas quanto aos verdadeiros compromissos do capitão-candidato do PSL com relação à própria democracia.
O viés militarista que vinha sendo erigido no entorno da candidatura de Bolsonaro, misturado com a alegoria de um Estado Forte baseado na Ordem, indiscutivelmente vinha produzindo efeitos na disputa junto a parcelas da opinião pública assustadas com a atmosfera de instabilidade reinante no país. Em paralelo, a agitação promovida pelo Partido dos Trabalhadores no sentido de vitimizar o ex-presidente Lula por estar preso e enquadrado na Lei da Ficha Limpa criou o caldo de cultura propício ao protagonismo de pseudos salvadores da Pátria. Os militares, ainda que haja restrições até de ordem pessoal a Bolsonaro, enxergavam nele o artífice da ofensiva capaz de ofuscar Lula e até mesmo derrotar o líder petista nas urnas, exatamente pelo tom contundente e messiânico que a narrativa da campanha de Bolsonaro vinha imprimindo, com pedaços de exemplos das batalhas nazistas e fascistas travadas ao longo da História.
Candidatos moderados como Geraldo Alckmin, Marina Silva, João Amoêdo e o próprio Ciro Gomes passaram a comer poeira nas pesquisas de intenção de voto, sufocados entre o discurso da autoridade simbolizado por Bolsonaro e o conceito emocional perseguido obsessivamente pelo Partido dos Trabalhadores para levantar as massas e outros segmentos formadores da opinião pública no sentido de pressionarem o Judiciário a legitimar a candidatura de Lula, não obstante sua condição de presidiário. Basta uma rápida consulta aos arquivos deste ano para aferir a enxurrada de recursos judiciais intentados, ora para soltar Lula, ora para permitir propaganda de Lula, ora para registrar Lula como candidato, ora para convidar-se Lula a participar dos debates programados pelas redes de televisão e outros canais de comunicação. Tudo isto ensaiado com o respaldo de recomendações de uma comissão de direitos humanos da Organização das Nações Unidas, teoricamente preocupada com supostas violações à liberdade de Lula um presidiário privilegiado na superintendência da PF em Curitiba, a capital mais inteligente do país, conforme pesquisa recente e abalizada.
O histerismo de Lindbergh Farias, de Gleisi Hoffmann, de José Dirceu e de outros expoentes do lulopetismo, associado às manifestações em sintonia proclamadas nos tribunais por advogados de Lula, adrede orientados a procrastinar a impugnação da candidatura do líder petista, somaram-se para condenar Bolsonaro e sua pregação vazia ao isolamento, bem como a sua candidatura a um pastiche absorvido pela democracia. A roda da História girou e alcançou Bolsonaro de uma forma cruenta, estúpida, do ponto de vista da agressão à sua integridade, mas, no contraponto, gerou reflexos colaterais no andamento da campanha. A facada em Bolsonaro feriu de morte a democracia brasileira. Este é o mantra decantado em todas as rodas por gregos e troianos. A preocupação passou a ser com a sobrevivência de Bolsonaro, enquanto, em paralelo, seus apoiadores buscam tirar proveito para o crescimento da sua candidatura. É o que está acontecendo, mudando radicalmente o eixo da disputa eleitoral, que começou atípica no horizonte brasileiro. Os fatos autorizam qualquer um a cogitar que, a esta altura, pode acontecer tudo na eleição brasileira inclusive nada.
Nonato Guedes